(Avelar Santos)
Desde menino, aprendi a amar incondicionalmente as
velas que enfeitavam, singelas e bucólicas, do raiar da Alva ao nascer da Lua,
a bela baía de minha adorada cidade, Camocim.
Como era bom, meu Paizinho do Céu, vê-las chegar,
à tardinha, na Praia das Pedrinhas, próximo da Pedra do Mero, numa
procissão infinita de beleza e cor, deslizando, suaves, encantadoras, no
incomparável e lindíssimo mar esmeralda da Terra da Luz, como se fossem garças
reais adejando ao vento norte.
Nessas ocasiões, acompanhado de meu pai, íamos, eu
e ele, com o coração gargalhando de felicidade e os olhos em festa, abarcando
toda linha do horizonte, comprar peixe fresco, ali, nas canoas, corós e
pescadas amarelas, ainda de guelras avermelhadas e olhos vítreos brilhantes,
por modestíssimos cruzeiros.
À medida que as canoas chegavam a terra,
ostentando na proa nomes exóticos, cinzelados artisticamente pelo sal e pelo
Sol, as pessoas se acotovelavam ao seu redor e, aos gritos, faziam os seus
pedidos ao mestre da embarcação, que, conhecendo todos eles, fregueses antigos,
separava, metodicamente e com extrema rapidez, em pequenos cambos, os peixes
prediletos de cada um, embolsando, em seguida, o dinheiro da compra.
Depois de sermos atendidos, esgrimindo paciência e
bom humor, voltávamos para casa, alegres, a passo de tartaruga, conversando
animadamente sobre coisas do futuro e também amenidades cotidianas, agradecendo
intimamente ao Todo Poderoso por tantas graças recebidas diariamente, aos
borbotões, quiçá, muitas delas, até imerecidamente, bem como pelas fartas
iguarias, provenientes de nosso abençoado mar, que estariam brevemente na nossa
franciscana mesa.
O tempo correu lépido e fagueiro, nas asas
ligeiras de Mercúrio, e eis que, de repente, não sei bem por que, dei-me conta
do sumiço da Lucinda, Trás dos Montes, Encantada, Bem me Quer, Flecha do Mar,
Gaivota, dentre tantas outras canoas, tão conhecidas, que encheram de êxtase
absoluto minha pobre alma e povoaram ingenuamente os meus sonhos, nos idos e
inesquecíveis anos de minha infância.
… Do velho balaústre, acompanhado, agora, por
minhas duas filhas pequenas, Damaris e Samira, filhas eterna e infinitamente
tão amadas, que palram alegremente, sem parar, questionando-me coisas que não
sei explicar direito, diviso, ao longe, as velas coloridas das canoas,
enfunadas, na entrada da barra, elegantes, brincando com o vento, singrando
desafiadoramente as ondas, a fim de se recolherem, pobrezinhas, exaustas, após
mais um dia de embates e vitórias, no aconchego seguro do lar.
Nesse instante, sou criança novamente e meu
coração, levado pela emoção mais pura, sorri de tão contente. Um turbilhão de
boas recordações, feito cardume, passa diante de mim, deixando-me extático,
mudo. Então, como num passe de mágica, as garras predadoras da saudade cravam
fundo, dentro de mim, levando-me, num átimo, ao Camocim inigualável de
antigamente, cujo filme se desenrola em minha mente de forma fugaz. As crianças
parecem perceber minha angústia interior, estampada fortemente nos meus olhos,
marejados de cintilantes lágrimas, que tento, a todo custo, delas, esconder.
Sou abraçado por ambas, estranhamente caladas. Nada mais é preciso! O amor
delas me basta - e fala por si só!
Meio sem graça, encabulado por elas terem visto o
meu choro, embora contido, afago meigamente os seus cabelos loiros, que
esvoaçam graciosamente, no ar, beijando, em seguida, ternamente, cada uma
delas.
De mãos dadas com a Damaris e com a Samira, a caçula, nos ombros, sem ainda nada falar, com o coração apertado, cheio de gratas e perdidas lembranças, rumo finalmente para minha velha casa.
De mãos dadas com a Damaris e com a Samira, a caçula, nos ombros, sem ainda nada falar, com o coração apertado, cheio de gratas e perdidas lembranças, rumo finalmente para minha velha casa.
Avelar Santos (Professor e Escritor)