sábado, 18 de junho de 2016

ESSA TAL FELICIDADE

ESSA TAL FELICIDADE 
(Avelar Santos) 
Não se sabe bem por que a maioria das crianças anseia bestamente crescer logo – e virar adulto. Comigo, não foi diferente!
Todavia, se soubessem dos hercúleos desafios a serem permanentemente enfrentados nesse novo horizonte que inocentemente tanto almejam alcançar, dos moinhos de vento gigantes que teriam que enfrentar, desprovidos de espada e armadura, dia após dia, dos caminhos íngremes e perigosos que forçosamente muitas vezes trilhariam, dos abismos assombrosos que lhes empanariam a visão, deixando-lhes tontos, certamente logo desistiriam dessa completa loucura.
Segundo rebento de uma família humilde de sete irmãos, muito cedo saí de casa, por escolha direta de meu pai, católico fervoroso que almejava como ninguém ter um filho padre, indo estudar no Seminário de Tianguá. Era o distante ano da graça de 1969 – e eu tinha doze anos incompletos.
De repente, vi-me distante das singelas brincadeiras de menino, do jogo de pião e de bila, da leitura diária dos gibis, e, principalmente, das incursões bonapartianas aos quintais amigos das vizinhanças, onde, além das frutas saborosas surrupiadas e consumidas com apetite incomum, via os passarinhos tecerem calmamente sonhos dourados nas tardes cheias de Sol – e isto me deixava encantado e senhor absoluto do mundo!
Fiquei um ano na Ibiapaba. De posse do prestigiado passaporte da exemplar conduta, carimbado espetacularmente de boas notas, fui posteriormente levado para o Seminário de Ipuarana, em Campina Grande-PB, onde permaneci por duas inesquecíveis temporadas.
Naqueles idos anos, relembro com nostalgia infinita, sentia-me deveras contente e desfrutava de uma paz que talvez somente quem viveu no deserto – como ermitão – poderia ousar aquilatar. Ali, rodeado pela segurança dos claustros silenciosos, do robusto e incomparável farol da fé, que luzia ininterruptamente e afugentava as trevas do mal, do cheiro inebriante do incenso e de livros clássicos a mancheias, o intelecto brilhante do aluno era enormemente reconhecido e, mais que isso, ele era estimulado à exaustão, pelos valorosos Mestres frades franciscanos, para se tornar incomparavelmente ainda melhor.
Nunca esqueci uma poesia que li, logo nos primeiros dias de Ipuarana, do grande Vicente de Carvalho, parnasiano emérito paulista, que falava da saga de uma flor sendo carregada cruelmente por um rio. Mesmo com todas as suas súplicas, rogando-lhe que a deixasse ficar, o rio se mostrava indiferente aos seus apelos e aflições – e a levava, inquebrantável na sua solitária decisão, na borbulhante correnteza fria, mais e mais para longe do seu perdido lar.
O desespero inaudito da flor, tentando inutilmente desvencilhar-se daquele abraço mortal, seus gritos lancinantes, clamando piedade, dirigidos às águas velozes e furiosas, que fingiam nada ver e ouvir, ainda repercutem hoje nos meus combalidos e apagados neurônios.
Fazendo uma analogia simplista, muitos de nós somos esta flor que é arrebatada impiedosamente das ribanceiras tranquilas, que habitava, pela força do rio da vida, mergulhados na frialdade imensa das incompreensões e desacertos, sempre presentes no caudal da existência, sem que sequer, às vezes, tenhamos alguma chance de qualquer defesa, muito embora, aqui e ali, até esbocemos lutar heroicamente contra as poderosas adversidades que nos cercam.
Infelizmente, uma legião de humanos deixa-se levar inconscientemente por este rio enfurecido, que arranca as raízes rasas em que estão fincados à boa terra, sem a devida profundidade, não conseguindo nadar suficientemente forte para vencer as traiçoeiras correntezas, que os arrastam por todos os lados, impelindo-os dantescamente para um triste fim.
E aí, nessas horas extremas, calados, afligidos por uma tristeza atroz, e mudos de medo, ingloriamente embrutecidos pelo rigor inexorável do tempo, quiçá alguns lembrar-se-ão dos momentos felizes da infância querida distante, agora paradoxalmente tão presente, que vem toda faceira ao encontro deles, em flashes coloridos, no intuito de apagar-lhes a dor aguda da agonia final.
Ah! Se, contudo, tivessem trilhado o caminho do bem, olhando seguidamente para as coisas do Alto, nada poderia minimamente afetar-lhes! 
É necessário, portanto, que cada um de nós tome a sua cruz, e, sem hesitar, serenos, confiantes, certos da presença constante do Rabi de Nazaré, fortalecendo-nos incessantemente ao longo de nossa jornada terrena, caminhemos de cabeça erguida, entregando-nos sem peias à suprema misericórdia do Paizinho do Céu - Àquele que nos ama verdadeiramente e jamais esquece qualquer um de seus diletos filhos.
Avelar Santos (Professor e Escritor)