A notícia correu célere, como acontece em toda
cidade pequena. Lá para as bandas das Barreiras, pescadores arpoaram um
cação de tamanho incomum. - O bicho dá mais de uma tonelada! Foi preciso
mais de 20 homens para puxar o bicho para a praia! Vixe Maria é o fim das eras!
Ele veio para comer a devassidão que acontece nesse lugar - disse uma carola
mais impertinente! Enfim, uma verdadeira multidão enfrentou a areia quente que
ia da Praticagem até ao local do ocorrido. Daquele dia até a Festa
de São José era só o que se falava. Como muitos acreditavam ter sido um
sinal dos tempos, boa parte da carcaça do tubarão branco ficou na praia para
deleite dos urubus e outros animais carnívoros. Por outro lado, a moqueca
correu solta na beira da praia servindo de refeição nas casas dos pescadores
que participaram da caça e das poucas biroscas da beira-mar como tira gosto da
famosa cachaça "Piojota" da Viçosa do Ceará. Um
viajante da capital que passava pela cidade, ciente do caso e sabedor das
propriedades do óleo de fígado de tubarão, arrematou o mesmo, cujo peso atingiu
oitenta e cinco quilos.
Esse relato poderia ser o começo de uma crônica
que retratasse mais uma "história de pescador", dentre tantas outras
que se ouve destes homens bravos que costumam aliar o fantástico às suas
aventuras e suas lidas diárias para conseguir o pescado necessário para suas
sobrevivências. No entanto, o fato acima foi publicado em jornal de grande
circulação nacional - A Noite, do Rio de Janeiro, em 17 de março
de 1939 - naqueles espaços destinados aos informes das sucursais em forma
de pequenas notas em meio ao noticiário e publicidade. A pequena manchete apela
um pouco para o sensacionalismo: "Arpoado um tubarão monstro". O
texto, no entanto, não corresponde ao apelo da manchete: "Na praia de
Camocim foi arpoado um tubarão monstro, cujo fígado pesava 85 quilos. O local
onde foi fisgado o colossal monstro marinho esteve repleto de
curiosos".
Tivesse a matéria rendido uma reportagem com
alguma pesquisa adicional, o caso poderia ter um outro sentido, visto que é
natural tubarões deste tamanho, especialmente, da espécie tubarão-branco ou
tubarão-baleia. O fato de ter sido pescado em Camocim pode ser
explicado devido aos movimentos migratórios destes animais. Por algum motivo, o
tal tubarão desgarrou e errou o caminho entrando no Rio Coreaú. A matéria
não se refere a tal espécie, mas ao tubarão branco (carcharodon carcharias) "pesa
1,3 tonelada em média, mas alguns podem atingir até cinco metros de
comprimento. Estudos recentes mostraram que ele também é um migrador de
capacidades extraordinárias. Em 2005, uma equipe internacional de pesquisadores
publicou na revista 'Science' o tempo recorde marcado por um tubarão branco
fêmea na travessia de ida e volta do oceano Índico. 'Nicole' percorreu mais de
20 mil quilômetros em pouco menos de nove meses".
E se o tamanho do fígado causa admiração, vale
dizer que nos tubarões ele "pode representar até 28% do peso total do
corpo e constitui uma enorme reserva de energia. Para neutralizar o peso do
animal na água, um fígado de tubarão branco de 456 kg, contendo 400 litros de
óleo, pode fornecer até 50 kg de empuxo".
Portanto, essa não é uma história de pescador como as que o “Bodó” conta lá na Mercearia da Nazaré.
Portanto, essa não é uma história de pescador como as que o “Bodó” conta lá na Mercearia da Nazaré.
Carlos Augusto Pereira dos Santos
Historiador
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