
Na modernidade, por mais paradoxal que isto possa
parecer, a comunicação tornou-se um verbo intransitivo, cuja finalidade
resume-se nela própria. Assim, os nossos olhos não veem nem tampouco absorvem o
que perpassa todo este grandioso processo.
Muito embora a tecnologia tenha permitido que a
deusa Kom Unik Assão esteja onipresente em todos os lugares, a sociedade de
hoje é caracterizada por indivíduos isolados, que, na maioria das vezes, apenas
se plugam no mundo virtual, esquecendo-se por completo do mundo real, que pulsa
vibrante, cheio de vida, mas passa rápido como um foguete. Como não há mais
comunhão entre as pessoas, a comunicação é entendida simplesmente como meio de diminuir
distâncias, hipnotizando todos nós através de aplicativos, como o zap e o messenger,
que nos levam prontamente onde quisermos para falarmos com quem queremos. Até
aí tudo bem.
O problema é que ninguém conversa mais nada. Todos se conectam na
web, não dando mais atenção a quem está ao seu lado. Acham que estou
exagerando? Olhem à volta de vocês. Vejam como uma família se comporta numa
mesa de restaurante. Antigamente, assunto não faltava para jogar conversa fora
nessas horas. O que vemos no cotidiano? Todos são mudos, bitolados, satisfazendo-se
plenamente na ausência de palavras trocadas a esmo, cujo olhar frio, e distante,
se perde na iridescência mágica dos aparelhos celulares. Isto reflete uma
situação em todos os aspectos desastrosa, mostrando que muita coisa boa,
infelizmente, se perdeu na poeira dos anos, instituindo, assim, um verdadeiro caos
que não ousaria dizer seu nome.
Estamos em um ponto de viragem na História, onde a
modernidade está morrendo e a pós-modernidade latente logo eclodirá. Os valores
de agora são estrelas mortas, vazias, cuja luz certamente ainda continuará a brilhar.
Mas, por quanto tempo?
Os cientistas sociais afirmam que a comunicação
excessiva pode ser considerada um bombardeio de lazer permanente que afeta sobremaneira
a nossa razão. Isso leva ao silêncio das massas, e também a sua degradação, em
uma sociedade onde a comunicação é projetada como um modo de organização
mundial.
Certo dia estava tendo uma conversa com alguns
colegas sobre tipos preferidos de comunicação. Eu sei que falar ao telefone
está se tornando uma coisa do passado, porém queria ouvir a opinião deles sobre
este fato. O grupo mais jovem, na faixa etária de 24 anos de idade, disse que
gostava só de enviar e-mails e textos, sem telefonemas. Aqueles na casa dos 40
anos usam e-mails e textos, mas preferem mesmo uma conversa ao telefone. Por
fim, os mais experientes, acima de 50 anos, disseram que responderiam a um
e-mail com uma chamada telefônica. Então, pergunto eu, por que não falamos mais
no aparelho inventado um dia pelo genial Graham Bell? Isto é uma coisa
geracional, devida aos avanços tecnológicos, ou é simplesmente preferência
pessoal?
Nesse sentido, eis algumas opiniões fortuitas
colhidas por mim: muitos se sentem despreparados para chamadas de telefone.
Como preferem se sentir sempre no controle, os e-mails ajudam-nos a documentar
uma conversa, escamoteando sentimentos. Outros, por sua vez, se sentem
apreensivos sobre como lidar com eventuais conflitos, no transcurso de um
diálogo qualquer, não sabendo como encerrar um telefonema, preferindo, dessa
forma, esconderem-se atrás de textos.
Meu Deus! Em que esquina da esquizofrenia coletiva
nós fomos parar? Parece até que as pessoas esqueceram que falar ajuda a
construir pontes de relacionamentos, robustecendo-nos o espírito. Afinal, somos
humanos e as emoções são parte integrante do nosso DNA.
Na mídia há muito debate sobre qual modo de
comunicação deve ser usado. A verdade é que eles são todos bons na situação
certa. Normalmente uma mistura deles surte melhor efeito.
Venho de uma época pré-histórica cretácea em que
não havia absolutamente o milagre instantâneo da comunicação atual. Todavia,
como as pessoas interagiam e se sentiam próximas, humanas, felizes, vencendo
distâncias enormes através da singeleza de uma carta repleta de simbologia e
significado.
A Língua Portuguesa é um tesouro incomensurável! Felizes
daqueles que se debruçam para conhecer o seus segredos e admirar tamanha
beleza. Contudo, a maioria de nós enxerga-a como uma esfinge, cujos mistérios,
por mais que tentassem, jamais decifrariam. Por isso, por falta de leitura (e também
de prática diária) poucos sabem escrever na contemporaneidade. Um verdadeiro
absurdo! Ademais, por não terem vivido na época de ouro, nos imorredouros anos
60 e 70, nunca vão compreender a emoção mais pura, que transcende todo vil entendimento,
além de barreiras físicas supostamente intransponíveis, para manifestar-se, do
charme inquestionável de uma missiva vinda da namorada apaixonada, que
derramava - cheia de encanto e poesia - a sua própria alma num pedaço de papel,
que tanto abrasava os nossos corações, fazendo-nos sonhar.
Bons tempos àqueles.
Bons tempos àqueles.
Avelar Santos (Professor e Escritor)