domingo, 20 de agosto de 2017

NO TAMBOR DE ÓLEO, POR CHARLES NUNES DE MELO


Principiava o mês de julho. As emoções reservadas para as férias do meio do ano estavam apenas começando. A temporada de grandes festas no Comercial Clube de Camocim ia começar. Os grandes acontecimentos sociais e esportivos somente aconteciam a partir da segunda semana, mas os primeiros turistas costumavam chegar à cidade nos primeiros dias do mês. O primeiro grande evento seria sábado, no dia 9, com o melhor conjunto musical da região.
A expectativa dos jovens crescia à medida que o tempo passava. A ansiedade era grande, e eles passavam o ano todo se preparando para essas férias, apesar de ser mais curto o recesso escolar.
No dia da festa, uma raríssima chuva forte caíra no final da tarde, preocupando a diretoria do clube, que cogitou até o cancelamento do baile. As ruas ficaram alagadas, mas à noitinha não havia mais prenúncio de chuvas.
Um grupo de amigos se reunia no Drink’s Bar, próximo à Rodoviária de Camocim, como era de costume. Lá era frequentado pelos adolescentes da sociedade. Todos estavam ansiosos, mas ninguém mais estava do que Itamar (foto), que esperava encontrar a sua mais nova paquera. Naquele dia, os rapazes vestiram as melhores roupas devido à importância do evento. Tomavam cerveja com objetivo de “pegar pressão”, quando um dos rapazes alertou para o início da festa que estava próximo. Então, os colegas se apressaram para pagar a conta, pois eles não gostavam de chegar tarde às festas, como também sabiam que naquele dia o clube estaria lotado. Depois daquele alerta, o ansioso Itamar resolveu tomar uma dose dupla que seria a famosa saideira.
Após o apressado e grande trago, Itamar e os seus amigos saíram do bar e seguiram pela Rua Alcindo Rocha em direção ao Comercial Clube. Chegaram à Praça Pinto Martins, principal da cidade, ainda quando o amigo Chagas Monteiro assistia na televisão pública ao final de mais um capítulo da primeira versão de Saramandaia - novela de sucesso na época - Com a sua indefectível camisa estampada, o Chaguinha não perdia um só capítulo das novelas globais.
Em seguida, os rapazes atravessaram as dependências do mercado público com seus barzinhos sempre lotados àquela hora. O mais animado era o bar onde tocava as músicas românticas do Waldick Soriano e Bartô Galeno. Estavam lá o Jacaré, o Confusão, o Babau e o Boi do Morro. Os cinco colegas cumprimentaram apressadamente os presentes e passaram, pois a festa já havia começado.
No trajeto, eles decidiram não pagar o ingresso para entrar. Assim, resolveram escalar o muro do posto de gasolina anexo ao clube para ter acesso à quadra de esportes e em seguida chegarem ao salão onde o BR Som de Sobral, banda famosa do momento, havia iniciado a festa com uma música de maior sucesso na época: Mar de Rosas, do grupo The Fevers.
Os jovens dispunham de dinheiro para comprar os bilhetes, porém, a aventura de pular o muro seria emocionante. O muro era alto e a melhor maneira de subir era através dos tambores cheios de óleo queimado juntos à parede do posto de combustíveis. Neste momento, subornar o vigia de plantão foi a tarefa mais fácil. Naquele ambiente escuro, a maioria dos jovens subiu nos tambores pisando nas bordas. Um a um conseguiu seu intento. Itamar, o último a subir, não teve essa ideia e pisou bem no centro da tampa, pois a sua ansiedade de encontrar a sua paquera não o deixou raciocinar. 

Ao pisar, a tampa frágil arrebentou e o jovem caiu dentro do recipiente cheio de óleo combustível. O líquido logo tomou conta de todo o corpo e ele ficou oleado dos pés até o tórax. As calças jeans e a camisa mangas longas vermelha adquirida recentemente com as economias de um ano, “novinhas em folha”, mudaram de cor imediatamente. O óleo encharcou, principalmente, a bota ortopédica. O calçado fora presenteado por sua irmã, que comprara na Capital, pois na cidade não havia lojas especializadas neste tipo de produto.
Os quatro jovens já estavam no interior do clube quando lembraram que o Itamar não estava entre eles, e poderia não ter conseguido pular o muro devido à deficiência na perna. Então, um deles resolveu retornar para ajudar o colega retardatário. Voltando ao local, não encontrou o colega coxo. Com um cabo de vassoura, o jovem remexeu várias vezes o óleo dos oito tambores na busca de Itamar. Não o encontrou. Itamar já havia saído do tambor com a ajuda do vigilante, aquele do suborno.
Itamar sujo de óleo e com a perna direita doendo tentava apressar o passo para não ser reconhecido pela multidão que chegava ao clube. Para não ser avistado, o rapaz se esgueirava atrás das árvores encontradas naquela travessia que parecia não ter fim. O óleo que desprendia das suas roupas sujava as calçadas e formava um rastro quase interminável. Por um momento, pensou em chegar à sua casa, mas as suas irmãs poderiam estar ainda em casa se alindando para a festa. Então, resolveu pedir ajuda a um amigo que morava no início da sua rua. Para sua sorte, o rapaz ainda estava acordado. O seu amigo - artista plástico - tinha no seu atelier dois recipientes, uma espécie de banheira, em que lavava suas peças. Encontrou um com água limpa, que ele mergulhou para retirar o óleo das vestimentas e calçados. Depois do banho, o colega artista emprestou uma bermuda e uma camiseta para que pudesse chegar a casa sem levantar suspeitas.
Depois do susto, já em sua casa, a tristeza invadiu o coração do Don Juan e as lágrimas foram inevitáveis. Ele ficou frustrado e triste por não ter encontrado sua amada, seu principal objetivo naquelas férias de verão.
Para a tristeza de Itamar, a jovem soube de tudo com detalhes. Alguém, que não se sabe quem, espalhou a história por toda a cidade, frustrando, assim, para sempre, o sonho de Itamar namorar a musa inspiradora da sua vida. 
Charles Nunes de Melo