
Cresci ouvindo dos mais velhos a lenda do beija-flor
e acreditava nela, pois como era um péssimo atirador, e, consequentemente, nunca
acertava os pássaros maiores, imaginem os pequeninos.
Eu gostava de caçar passarinhos com os colegas, pois
esse era um dos divertimentos mais presentes na minha infância naquela
maravilhosa cidade. Lembro-me que as melhores caçadas eram nas matas do bairro
da Brasília, Olinda e nos quilômetros da extinta ferrovia do ramal
Camocim-Sobral, onde existiam muitas árvores e a quantidade de pássaros era
grande.
Um amigo meu, Paulo, vulgo “pão com ovos”, era um
dos meus principais companheiros de caçadas. Esse apelido era devido ele ter a
mania de esconder o alheio, como dizia em Camocim. De manhãzinha, era costume os
padeiros deixarem os pães nas portas das casas dos fregueses dorminhocos. Certo
dia quando o sol ainda não saíra, o Paulo levou para sua casa os pães
encontrados na porta da residência da dona Fransquinha. Ele também carregou
ovos das galinhas do quintal da dona Maria. Um dos colegas, criativamente, sabendo
dos dois episódios, colocou o apelido de “pão com ovos”. E pegou.
Eu e Paulo, numa manhã ensolarada de dezembro,
férias escolares, fomos para mais uma caçada. Algo me dizia que seria um dia
proveitoso, ou seja, nossa caçada seria exitosa. Dessa vez, a aventura seria na
rua Duque de Caxias, no bairro Brasília. Num terreno bastante arborizado,
onde havia alguns passarinhos, o meu amigo Paulo conseguiu ver um beija-flor
que voejava próximo de duas graúnas e dois corrupiões. Eu até poderia tentar matar
os pássaros maiores, mas meu objetivo era atingir mortalmente o beija-flor.
Acompanhamos os movimentos do animalzinho no ar até pousar num galho de um
frondoso cajueiro. Então, preparei a arma para efetuar o tiro. Procurei no chão
uma pedra ideal para o abate. Coloquei-a com bastante calma e jeito no couro da
baladeira, mirei e atirei. Foi um tiro certeiro, fatal. Confesso que não foi
difícil abater o bichinho. A nossa alegria foi esfuziante ao vermos o beija-flor
bater no solo sem vida. Gritos e abraços coroaram aquele momento de vitória.
A segunda parte da aventura era extrair o coração
do passarinho e engolir. Ocorre que não tínhamos nenhuma faca por perto. O
Paulo teve uma ideia. Encontrou um caco de vidro nas proximidades, e, assim,
fez a pequena cirurgia. Com aquele instrumento cortante, o meu amigo Paulo
extraiu o coração do passarinho como bastante mestria. Depois, eu engoli o orgãozinho com bastante
facilidade. Apesar de gosmento e do gosto amargo, a vontade de me tornar um
bom atirador prevaleceu naquele momento.
Aquela aventura foi emocionante para nós desde o começo até o seu glorioso desfecho. Mas, ocorre que, a despeito de eu ter cumprido o ritual da lenda em todas as suas etapas, resta-me dizer que eu não me tornei um bom atirador em hipótese alguma. Decerto, piorei na pontaria, pois a partir daquele momento nunca mais consegui abater um passarinho sequer.
Aquela aventura foi emocionante para nós desde o começo até o seu glorioso desfecho. Mas, ocorre que, a despeito de eu ter cumprido o ritual da lenda em todas as suas etapas, resta-me dizer que eu não me tornei um bom atirador em hipótese alguma. Decerto, piorei na pontaria, pois a partir daquele momento nunca mais consegui abater um passarinho sequer.
Charles Nunes de Melo