quinta-feira, 20 de junho de 2019

CATALINA, POR AVELAR SANTOS

Desde priscas Eras, o Homem desejou voar e conquistar o infinito! Muitos acalentaram esse sonho. Eu também!
Aos oito anos de idade tive uma das maiores emoções da minha vida, ao ver em todo seu grandioso esplendor um Catalina pela primeira vez! A partir daquele momento mágico, coloquei na cabeça que seria piloto.
Recordo-me que estava no Cais, observando os navios ancorados. Era à tardinha. De repente, ouvi um ruído intermitente, estranho, vindo do céu, que se aproximava mais e mais. 
Sem entender direito o que se sucedia, notei que muitos conterrâneos aproximavam-se em desabalada carreira do ancoradouro, quase atropelando uns aos outros, naquela balbúrdia desenfreada, levados até ali certamente pela excessiva curiosidade – ou quiçá espicaçados pelas asas aguçadas da imaginação.
Naquele longínquo e iluminado instante, lá para as bandas dos Coqueiros, ainda contornando tardiamente algumas salinas, via-se, não de todo nitidamente, é certo, um pequeno avião, um ponto branco que tremeluzia sob os últimos raios de Sol que se coava, em laranja e, depois, em vermelho intenso, no horizonte, vindo velozmente em nossa direção. Ao passar por mim aquele compacto pássaro metálico, rasante a água, divisei duas pessoas na pequena carlinga da aeronave. 
Depois, com os seus bimotores desacelerando, mas ainda rugindo fortemente, ele fez uma curva acentuada, planando elegantemente sobre as ondas de puro cristal, amerissando, em seguida, mais à frente, feito um belo cisne branco, espadanando água para todos os lados.
Passados alguns minutos, eis que um bote aproximou-se dele e trouxe os tripulantes para terra.
O Catalina é um hidroavião bimotor, de 31,7 m de envergadura, 19, 45 m de comprimento e 6,15 m de altura, com uma velocidade média de 288 Km/h, bastante versátil, usado inicialmente para transporte e vigilância aérea das missões antissubmarinas no Atlântico e no Pacífico, durante a Segunda Grande Guerra. 
À época do grande confronto mundial, a Força Aérea Brasileira usou os Catalinas (sete no total) para patrulhamento do nosso litoral contra as perigosas incursões dos submarinos do Eixo – e um deles, pilotado por Alberto Martins Torres, afundou espetacularmente o submarino U-199. 
Com a celebração do armistício, esses belos aviões passaram a exercer a função de busca e salvamento. No Brasil, a Pan Air utilizou-o principalmente como cargueiro, vindo a prestar inestimáveis serviços na amplidão da Amazônia.
Depois do nosso primeiro e inesquecível encontro, alguns outros se sucederam na vastidão imensa dos dias saudosos da infância. Para mim sempre era um acontecimento grandioso observar o pouso de um Catalina. Daí, não perdia tempo com nada para vê-lo. 
Bastava eu ouvir o conhecido ronco de seus motores para dirigir-me imediatamente ao balaústre, perto do Trapiche, a um tiro certeiro de baladeira da minha velha e querida casa, onde ficava a olhar as graciosas evoluções que ele fazia, antes de solenemente amerrissar.
Que espetáculo único e maravilhoso, meu bom Deus!
Os dias passaram num galope alucinado! Com eles, infelizmente, muitos dos sonhos tecidos com paciente urdidura, na meninice, perderam-se definitivamente na estrada poeirenta da existência. Ce la vie!
Ainda assim, mesmo angustiado, pobrezinho, sob o peso de tantos desencontros, o meu coração sorri de contentamento ao relembrar aqueles imorredouros momentos do passado, paradoxalmente tão distantes e tão presentes, que, às vezes, consegue alçar voo, planando sobre o nosso abençoado e belíssimo mar, quando me vejo, nas tardes fagueiras únicas camocinenses, contemplando, embevecido, os manguezais, como se fora um radiante e lépido Catalina!
Avelar Santos (Professor e Escritor)