segunda-feira, 29 de março de 2021

A VOLTA AO MUNDO EM VELEIROS

Por Adauto Gouveia Motta Júnior 
A Terra atravessou, durante o último milhão de anos, 750 mil deles sob regimes de várias glaciações. A maioria delas rigorosas e limitantes.

A última delas, a de Würms, que durou cerca de 80 mil anos, apenas amainou seus efeitos há aproximadamente 15 mil anos atrás.
Somente então, sob as novas e mais propícias circunstâncias, o espécime humano passou a ter condições de se manter com mais facilidade e a criar os métodos que o elevariam à espécie proeminente do Planeta.
As conformações geográficas atuais datam, com mínimas e insignificantes transformações desde então, deste período.

Com o enorme degelo global que se sucedeu, os mares se elevaram sobremaneira. As porções transponíveis do Estreito de Bering foram inundadas, separando a Ásia do continente americano; o mesmo se sucedendo com a faixa outrora caminhável do que se tornaria o Canal da Mancha, que ligava a Inglaterra à Europa e hoje possui profundidades que alcançam 160 metros. Mesmos as ilhas da Oceania, no Oceano Pacífico, tornaram-se muito mais distantes umas das outras, separando povos por milênios, que somente voltariam a ter contato entre si com o advento das Grandes Navegações.
O mundo se tornou, portanto, um universo de águas navegáveis, à espera de engenhos que permitissem aos homens percorrê-las.

À despeito dos avanços náuticos que modificaram gradativamente, desde sempre, o panorama das ocupações humanas e que transformaram os aspectos geopolítico das nações, influenciaram o comércio e a riqueza da maioria dos povos; inclusive a derrocada ou o aniquilamento de civilizações inteiras... a grande reviravolta que as embarcações proporcionaram à humanidade, a utilização de barcos para recreação ou atividades esportivas a nível mundial é um aspecto relativamente recente.

A frota espanhola de cinco navios e 256 homens do português Fernão de Magalhães, foi, em 1522, a primeira a completar o périplo ao globo. Desta empreitada temerária de quase três anos, somente 18 marinheiros retornaram, tendo o restante sucumbido aos percalços dos perigosos caminhos. Inclusive seu comandante, morto por aborígenes de uma das ilhas do Arquipélago de Guam. Juan Sebastián Elcano o sucedeu e herdou a sua glória. 

Antonio Pigafetta, o italiano escrivão da expedição sobreviveu ao final e suas anotações diárias ao longo dos 1081 dias de viagem provaram ao Mundo que contornando-se o Planeta rumo ao ocidente, o tempo de deslocamento é diminuído em um dia; fato que provocou a adoção da Linha Internacional de Data e os fusos horários hoje vigentes.

Foi somente no final do século XIX que o canadense Joshua Slocum perfez, com o seu lendário “Spray”, um veleiro pesqueiro de 37 pés, a primeira circum-navegação em solitário (1898), despertando, desde então, o desejo reprimido de milhares de marinheiros, experimentados ou não, à façanha máxima do iatismo: arrodear o Mundo sozinho!

O britânico Robin Knox-Johnston exponenciou o colossal desafio completando, em 1969, a primeira volta ao Mundo em solitário sem escalas, ao concluir a Sunday Times Golden Globe, uma competição promovida por um jornal inglês, da qual foi o único a termina-la e desencadeou a mania entre os mais obstinados velejadores, incentivados à partir daí por diversas competições.

A mais antiga regata de volta ao Mundo é a Ocean Race, que acontece de três em três anos desde 1973. No começo chamava-se, por motivos comerciais de patrocínio, “Whitbread Round the World Race”, depois tendo mudado para “Volvo Ocean Race”. Neste período o Brasil chegou a participar com uma embarcação genuinamente nacional, o “Brasil 1”, tendo como skipper (o timoneiro ou capitão do barco), ninguém menos do que o brasileiro Torben Grael, multi-campeão olímpico, na edição de 2008-2009. Este barco, inclusive, hoje ocupa um pedestal no museu náutico a céu aberto, no Porto de Alicante, Espanha, de onde parte esta regata.

Entretanto, a regata mais antiga em volta ao mundo em solitário foi a Velux 5 Oceans, que percorria 55 mil quilômetros pelos cinco oceanos do planeta. Originalmente chamava-se Desafio BOC, sendo renomeada posteriormente como Around Alone.

Hoje a principal competição com este formato é a Vendée Globe, realizadas de quatro em quatro anos, com largadas nos meses de novembro em Les Sables-d’Olonne, na França. É uma regata disputada sob duríssimas condições e que, pelo regulamento, passa pelos três principais cabos existentes: o Cabo da Boa Esperança, no sul da África, que liga o Oceano Atlântico ao Oceano Índico; o Cabo Horn, temível contorno sul da América do Sul, que separa o Oceano Atlântico do Oceano Pacífico; e o Cabo Leeuwin, o extremo sudoeste do continente australiano, entre o Oceano Índico e o Oceano Antártico. Por seus naufrágios e mortes, grau de dificuldade e trajetos pelas latitudes mais ameaçadoras, tem a reputação da regata mais perigosa do mundo.

O número de 33 participantes desta última edição (seis dos quais, mulheres), os investimentos envolvidos, os incidentes e abandonos, a tornam a principal regata transoceânica da história. O tempo obtido pelo vencedor (80 dias 3h44m46s) bem dimensiona a grandiosidade do evento, a intrepidez dos seus participantes, super homens e mulheres, com audácias difíceis de mensurar. A verdadeira última grande aventura da humanidade.

Conheça detalhes do evento e seus personagens em https://www.vendeeglobe.org/