domingo, 30 de maio de 2021

SONOROS

Por Inácio Santos

Ao som característico de um dobrado, uma voz fanhosa se fazia ouvir: Em Camocim são pontualmente 19:00h. Boa noite! Instala-se no ar, a partir de agora, o serviço de som “Sonoros Pinto Martins de Camocim”, levando ao distinto público uma programação musical variada que ora começa e irá até às 22:00h. 

Apresentação deste amigo que vos fala, Gerardo Brito ou simplesmente GB. A todos uma boa noite! Era desta forma que, impreterivelmente, todos os dias, o serviço de som começava sua programação, de segunda a domingo, na Praça Pinto Martins. Precedendo as discotecas, casas de shows e emissoras de rádio atuais, era o serviço de som local, sonoros, que trazia a animação. 

Logo que, segundo seu locutor, “instalava-se no ar” as pessoas começavam a chegar, advindas dos mais diversos lugares (bairros da cidade), na maioria, jovens que vinham passear, conversar, paquerar, etc. Quem tinha namorado (a) vinha, e os que ainda não tinham também vinham em busca de arranjá-los (as). A Pracinha era um ponto de encontro, aliás, o único da cidade.

Os casais geralmente ocupavam os bancos, enquanto que os “livres”, por assim dizer, ficavam a circular feito peru. Nessas verdadeiras maratonas, flertavam ou se divertiam de diversas formas. Agrupamentos de rapazes e moças misturavam-se na Pracinha. Em cada canto da mesma um pipoqueiro fazia, ao vivo, pipocas quentinhas.


O cheiro ia longe provocando a gula, principalmente das moçoilas, o que invariavelmente sobrava para o infeliz pretendente, pois bastava que a mesma fizesse um inocente comentário: - Ô cheiro de pipoca! O cavalheiro adolescente logo procurava no bolso os minguados cobres e de pronto atendia ao frugal apelo da donzela pretendida, oferecendo-lhe um saco da iguaria.

Comumente nunca ficava no singular, visto que a gentil dama se fazia sempre acompanhar de algumas amigas, e mandava o cavalheirismo que as desinteressadas fossem ofertadas, ao que recebiam e entre risos respondiam: - Ah! Não precisava! 

O mesmo procedimento era concernente aos vendedores de balas, chocolates e demais guloseimas. Uma pequena multidão de vendedores misturava-se no meio do povaréu, usando a famosa técnica de venda de sempre oferecerem às damas, que olhavam, pegavam e enchiam a boca de saliva revirando os olhos e fazendo trejeitos felinos e insinuadores suspiros, dizendo: - Ah! Que delícia! E ao mesmo tempo retrucavam ao vendedor: - Não quero, moço, pois não tenho dinheiro; se tivesse... Não dava tempo nem mesmo para terminar a frase, o infeliz pretendente ou mesmo o já afortunado namorado imediatamente dizia: - Não seja por isso! E olhando para o ladino vendedor, autorizava: - Deixe a moça escolher o que ela quiser. Vale enfatizar que, quase sempre, ela eram elas, pois as amigas também faziam parte.

Assim as horas passavam e a Pracinha regurgitava, enquanto que nas duas bocas da “radiadora” a programação dos Sonoros Pinto Martins prosseguia. Cada música que rodava, via de regra, era oferecimento de um apaixonado à sua musa. Para isto era só ir ao estúdio, que ficava próximo, e pagar uma pequena quantia, anotar em um papel o nome da música e da pretendente, para logo ser atendido – Atenção (dizia GB)! Ouviremos agora, com Elino Julião, a música “Cofrinho de Amor”. 

Esta canção é que José oferece para a sua amada Catarina que mora no bairro do Cruzeiro, como prova de grande amor e carinho... Disco na agulha e o pau troava. Por outras, cavalheiro ou dama não podiam se identificar- Esta música é que um alguém oferece para outro alguém como prova de uma amizade. Ainda havia outra forma de mensagem: - Ouviremos com Valdick Soriano a canção “Amigo”. Esta linda página musical é que alguém (ou fulano) oferece para uma linda garota que está trajando blusa azul e saia branca, como prova de grande amor e carinho. E ainda: Esta gravação vai para a senhorita Maria das Graças, como prova de um sincero e devotado amor. O mesmo não diz seu nome para não dar confusão.

Entre os intervalos das mensagens, os Sonoros também faziam anúncios de lojas, convites, festas, bingos, notas de falecimento, etc. De vez em quando eram registradas presenças de pessoas ilustres que visitavam o estúdio, alguns participavam no ar. Comumente uma dessas figuras, talvez a mais típica, era o poeta Magalhães Nogueira Neto. Magalhães era um crioulo, carreteiro profissional, fazia carreto no mercado público. 

À noite vestia-se impecavelmente e, poeta nato que era, pois não sabia ler nem escrever, tinha participação garantida nos Sonoros. Quando chegava ao estúdio, era assim saudado por GB: - Encontra-se aqui conosco, visitando nosso estúdio, o poeta Magalhães Nogueira Neto, para nós motivo de grata satisfação. Agora nosso vate irá saudar nossos ouvintes com uma de suas poesias. Magalhães, que ia para isso, não se fazia de rogado, temperava a garganta e sempre apaixonado recitava:

Menina dos olhos verdes
Dos cabelos cacheados
Desde quando vi você
Quero ser seu namorado.

Se você gostar de mim,
Dou-te meu coração,
Se você não me quiser,
Eu vou morrer de paixão.

Então me responda logo
Pois não agüento esperar
Se você disser que sim
Prometo sempre lhe amar.

Se for não como resposta
Vai ferir meu coração
O coitado irá murchar
Até morrer na solidão.

GB o interpelava, pois, o tempo no ar era exíguo: - Ai está, amigos ouvintes, mais uma das belas páginas de versos do nosso amigo Magalhães Nogueira Neto. Obrigado poeta. Volte sempre.

Magalhães dizia algumas palavras de agradecimento, aproveitava para oferecer uma música a uma pretendente. Era solteirão e sempre apaixonado. Na grande maioria, amores platônicos. O poeta saía do estúdio todo empertigado, recebendo os cumprimentos: - Valeu poeta! – Gostei, Magalhães! Educadamente agradecia a todos com um sorriso aberto ou um aperto de mão. Entrava na “Merendinha” (bar do santinho Lúcio), localizada na esquina da praça, tomava uma talagada de conhaque São João da Barra (especial). Durante o dia-a-dia era a velha e boa Serrana. Saía do bar e ficava na praça, distribuindo sorrisos e balas às garotas.

O tempo passava com uma velocidade incrível e quando o relógio chegava às 22h00h ao som característico do dobrado, logo em seguida se fazia ouvir a voz inconfundível do GB: - São, na cidade, precisamente 22h00h. 

Senhoras e senhores! “Neste instante despede-se do ar os Sonoros Pinto Martins de Camocim, agradecendo a todos a atenção dispensada e prometendo voltar amanhã pontualmente às 19h00h, se assim Deus nos permitir. Muito obrigado e boa noite”. Era a deixa para todos que iam saindo para suas casas, e com a mesma velocidade com que enchiam a pracinha também a esvaziavam. Hoje quando olho para minha querida pracinha e recordo quão bela e movimentada era, tenho saudade do velho Sonoros, do velho e bom amigo GB. Tempo bom que não volta nunca mais.

Inácio Santos é radialista, compositor, escritor e membro da Academia Camocinense de Ciências, Artes e Letras (ACCAL)