domingo, 15 de agosto de 2021

CASO DE POLÍCIA (PARTE 1), POR INÁCIO SANTOS

Sargento Deolindo não conseguia tirar o seu costumeiro cochilo depois do almoço, devido ao calor intenso e abrasador e como se não bastasse aquela praga de moscas voejando e zunindo insistentemente sobre ele.

Depois de alguns minutos, Deolindo desistiu de lutar contra os malditos e irritantes insetos, e a despeito do calor, se desligou das coisas ao seu derredor e começou a pensar consigo mesmo, ou seja, como se diz, “com seus botões”. E ia divagando: _Como a vida é cheia de surpresas, encontros, desencontros e situações. Ora, pois ali estava ele com seus vividos 53 anos, parecia ter sido ontem, lembrava.

Deolindo aos dezessete anos, logo após ter servido ao Exército (Tiro de guerra de sua cidade) sentara praça na polícia Militar. Na época era bem mais fácil que hoje, existiam mais vagas, e era difícil o rapaz que queria enveredar nas forças da PM; as famílias não queriam; hoje é um Deus nos acuda; faltam vagas; Briga-se por elas. 
Como as coisas mudam com o tempo... Mas Deolindo não se arrependia, sempre fora um sujeito que se adaptava as situações, e na vida policial não foi diferente, militou como soldado vários anos sempre elogiado pelos seus superiores por bom comportamento, vindo assim por mérito ser promovido a cabo o que melhorou um pouco, foi na época em que casou, e ia tocando a sua vidinha, sempre amigo, sem faltar ao serviço seguindo a risca a disciplina. 

A recompensa veio quando completou 50 anos de idade, trinta e dois de bons serviços prestados à corporação. Veio a atual promoção para sargento, o negócio agora era outro, melhorara bastante e agora aos 53 anos, fora destacado para atuar como delegado (indicação especial) numa cidadezinha do interior, onde agora estava. Se não fosse a saudade que sentia da família, motivada pela distância, só podia vê-los nas folgas, o resto estava tudo bem, pois até mesmo o salário aumentara devido as diárias, além de ser o chefe de polícia local, e ter ao seu dispor uma casa que ao mesmo tempo servia de delegacia, e um efetivo composto de quatro homens; um cabo e três soldados para a devida manutenção da lei e da ordem. Deolindo se dava por feliz, pois o lugar era relativamente calmo, salvo algumas brigas quando havia festas (forrós) ou em época de festejo, no mais a tranqüilidade imperava. 
A prefeitura arcava com as despesas de refeições e o aluguel da casa (delegacia). Assim Deolindo ia tocando a sua vida, além do que, era bastante respeitado pela população. E como faltavam poucos anos para a tão esperada e sonhada aposentadoria, o remédio era esperar. Foi pensando em tudo isso naquela tarde quente e poeirenta, que o sargento delegado, Deolindo da Conceição, a despeito do terrível e abrasante calor e das malfadadas e insistentes moscas, até que enfim adormeceu.

Não se sabe quantas horas o delegado conseguiu dormir. Mas eis que de repente, foi bruscamente despertado por um alarido de vozes, gritos e impropérios. Levantou-se de chofre, quando já ia perguntar o que acontecia visto que dormia na segunda sala da casa, sendo a sala da frente onde funcionava o seu escritório e de onde era proveniente a balbúrdia que o fizera acordar. O cabo Armando adentrou e foi logo informando:

_Chefe, está aí uma mulher que parece uma onça! Nunca vi uma assim na minha vida. Já tentei conversar com a dita cuja, mas ele nem sequer me deu atenção, diz que só quer falar se for com o delegado.

_ Deolindo esfregou os olhos para espantar a sonolência, olhou para o relógio de pulso que marcava três e quarenta e cinco da tarde, dirigindo-se ao cabo disse:

_Olhe! Diga para essa mulher que já vou atendê-la, é apenas o tempo de lavar o rosto.

_Certo, chefe! Mas ande logo que a mulher está com a gota.

O cabo se retirou para a sala, e o delegado foi até o banheiro na cozinha lavar o rosto para tira a morrinha da sesta, enquanto ouvia o vozerio alterado de pessoas. A sala da frente da casa, como já foi citada, fazia às vezes de escritório, tinha uma mesa de madeira com alguns papéis, que era a mesa de trabalho do delegado, algumas cadeiras de madeira com assento de couro para os demais. Deolindo lavou o rosto, vestiu-se e foi ver o que acontecia. 
Assim que entrou na sala, viu uma mulherzinha magra, pálida, cabelos desgrenhados, um vestido surrado, os olhos eram duas bolas que soltavam chispas de ódio. Não parava quieta, andava de um lado para o outro e falava sem parar. Ao seu lado estava um homem atarracado, feições tostadas pelo sol, mãos calejadas, próprias de quem trabalha no pesado. Estava encostado num canto da sala, calado, não dizia nada, como se estivesse assustado, só observava.

O delegado sentou-se em sua mesa e disse:

_Muito bem! Sentem-se! Porque tanta agitação? O que houve?

O homem sentou-se, enquanto a mulher nem sequer olhou para a cadeira, foi logo dizendo:

_Ói seu Dotô! Eu vim aqui pro mode dar parte de um safado, cretino, que mora na mérma rua e é meu vizin, que é pra mode ele aprender a respeitar muié direita, mode que eu sou...

_ Deolindo interrompeu:

_Calma! Vamos por parte. Primeiro me diga o seu nome, de quem a senhora quer dar queixa e por quê?

Foi ele se calar, e a mulher vociferou:

_O meu nome é Celina, seu Dotô, e nun é que lá na rua que eu moro, tem um sacripanta de um vizin, um tar de Leocádio, conhecido por Cadinho, pois esse fí nun sei do quê, desde que chegou lá na rua há quage um ano, veve impricano, inventando coisas de eu, e agora cuma se não bastasse, o miserável arranjou uma cadela e colocou na disgrampada o meu nome.

O delegado foi tomado de sobressalto, visto que no comando do lugarejo há quase um ano, eram corriqueiras e constantes as arengas e brigas de vizinhos, envolvendo principalmente comadres, meninos, galinhas... Brigava-se por tudo, terminando sempre na delegacia, mas, aquela queixa era deveras inusitada. Recobrando-se quase de imediato indagou:

_Dona Celina! Quer dizer que a senhora veio dar queixa do seu vizinho por que ele botou o seu nome numa cadela?

_A mulherzinha enfurecida que não parava de resmungar, entabulou o falatório:

_E o sinhor acha pouco seu dotô? Ói pro mode que eu sou uma muié casada de respeito, nós tem cinco fí, e mode provar, eu inté truxe o meu homi (apontou para o homenzinho, desconsolado, que continuava sentado com cara de assustado), aqui tá ele, é um mosca morta nestas coisas de falatório, mas é um cabra trabaiador na roça, no pesado, veve trabaiando para sustentar a famia...
Fim da 1ª parte
Inácio Santos
(Radialista, Compositor, Escritor e membro da Academia de Ciências, Artes e Letras de Camocim)