domingo, 10 de outubro de 2021

"NOSSO FUTEBOL ERA ASSIM", POR JOSÉ MARIA TRÉVIA

Dentre os Campeonatos de Futebol que tiveram a participação de Camocim, alguns nos deixaram saudosas lembranças, tendo em vista as admiráveis atuações, tanto de nossa seleção como propriamente dos grandes craques que defenderam as cores de nossa terra.

A Associação Profissional dos Cronistas Desportivos do Estado do Ceará – APCDEC, organizou memoráveis realizações do famoso Campeonato Intermunicipal de Futebol, a partir do ano de 1940, gerando considerável movimentação nos meios futebolísticos, contando com a participação de grandes seleções municipais.

Entretanto, a minha Camocim nunca teve a felicidade de conquistar uma taça do Campeonato Intermunicipal de Futebol, não obstante ter formado, algumas vezes, exuberantes seleções e apresentado grandes jogadores nas décadas em que aquele Campeonato foi soberbamente prestigiado, revelando craques e consagrando mitos dos arsenais interioranos.

O Campeonato Intermunicipal de Futebol, realizado no ano de 1965 e tendo como Campeã a forte Seleção Sobralense, deixou marcas indeléveis pelas disputas acirradas que foram travadas, haja vista o bom nível das seleções em disputa pelo troféu. Naquele ano, mais uma vez Camocim achou-se representado por uma equipe à altura de lutar pela taça. Tínhamos bons jogadores e um competente técnico na pessoa do Capitão Honorato, da nossa Marinha de Guerra e Comandante da Capitania dos Portos de Camocim.

No Grupo em que se achava inserido o Selecionado Camocinense, também lutavam, pela única vaga de classificação, as seleções de Granja e Viçosa do Ceará.

A nossa estreia, no dia 31 de outubro de 1965, aconteceu em Granja, onde Camocim venceu o jogo por 1 x 0, gol de Albano. O fato pitoresco da disputa aconteceu entre 35 e 40 minutos do segundo tempo, com a entrada em campo do então Prefeito Municipal, dirigindo sua Rural Willams, buzinando repetidamente, em pleno andamento da partida. A abertura para a invasão foi simples e rápida: Buzinar para a multidão abrir caminho, recostar o para-choque da Rural em uma das estacas que demarcavam as quatro linhas, acelerar e ouvir o estalado de madeira partida. Dentro de campo, o Prefeito ordenou que o árbitro empatasse a partida. Como se diz na gíria, “o tempo fechou”, os Policiais entraram em campo para proteger o trio de arbitragem e tentar conter a confusão.

Juntamente com diversos amigos de Camocim, eu corri para nos protegermos em cima do caminhão em que andávamos, de propriedade do Galeno, saudoso amigo de outros tempos. Muitos cidadãos granjenses colaboraram na tentativa de acalmar os ânimos e amigavelmente convenceram o Prefeito a retirar-se do local, na companhia deles, tornando assim possível que a confusão fosse dissipada. O árbitro, por falta de segurança, deu a partida por terminada, faltando, aproximadamente, cinco minutos do tempo final.

Vale ressaltar que a invasão de campo, por um veículo motorizado, deveu-se principalmente ao local impróprio em que foi realizada a partida, para onde acorreu um significativo número de torcedores. A “Praça Esportiva”, como um todo, era um grande campo aberto. O “campo”, entre as quatro linhas, era separada da massa de torcedores, apenas, por uma corda, apoiada em estacas espaçadas de alguns metros, entre si. O restante do local, era totalmente aberto, não havia limites protegidos por muros, nem mesmo por cercas.

De um lado confinava com terrenos particulares; de outro, um pouco afastado, o limite era a linha férrea; nos outros dois lados, os limites eram definidos por cordas não fixadas, sustentadas por pessoas, colaboradoras ou contratadas para essa tarefa. Outros colaboradores, circulando, vendiam os ingressos, que eram recebidos por aqueles que seguravam as cordas, levantando-as, a fim de dar acesso a quem tinha o bilhete. Essa foi a única alternativa encontrada pelos abnegados, a fim de que a Liga Esportiva de Granja conseguisse obter alguma renda.

Com a derrota, o selecionado granjense teria que buscar um resultado positivo, no domingo seguinte, em Camocim, a fim de manter-se com alguma possibilidade de classificação. Tentando reverter a situação, Granja buscou reforços em Sobral, trazendo diversos jogadores e, numa corrida contra o tempo, regularizaram os novatos, dentre eles alguns bons jogadores. Mas, o selecionado granjense adquiriu para si, outro problema: A falta de entrosamento em uma escalação profundamente modificada.

Domingo, dia 07 de novembro de 1965, em Camocim, o Selecionado de Granja chega para disputar com uma formação bastante modificada. Comprovadamente, tinha bons jogadores, haja vista que ainda conseguiram balançar três vezes as redes da Seleção de Camocim. Mas, em contrapartida, os camocinenses vararam nove vezes a defesa do selecionado granjense.

Resultado final, com 12 gols em noventa minutos: Camocim 9 x 3 Granja.

Granja eliminada, enquanto Camocim se prepara para subir a Serra e enfrentar a boa seleção Viçosense, com seu uniforme verde como sua bandeira, carregada pela sempre vibrante torcedora, Senhora Dondon, proprietária de um Hotel, onde, em um dia distante do ano de 1960, eu fui recebido com cativante cordialidade.

Domingo, dia 14 de novembro de 1965. Novamente acompanhei nossa seleção, a fim de vê-la jogar, nos domínios do adversário. Subi a Serra no Jeep de meu pai, juntamente com ele, meu irmão Francisco, o Chagas do Cassino e o José Domingues de Moraes. Saímos cedo, viajando pela velha estrada que ligava Granja a Viçosa. Chegamos a tempo de almoçar, mais uma vez, no Hotel da Senhora Dondon.

No futebol, o dia foi bom para o povo de Viçosa, mormente para a Senhora Dondon e para o verde de sua Seleção. O resultado, no final daquela tarde, foi Viçosa 1 x 0 Camocim. Assim, no domingo seguinte, o Selecionado de Viçosa desceria para a litorânea Camocim e enfrentá-la, agora em seus domínios.

Logo após o término do jogo, retornamos para Camocim, recebendo, em Granja, algumas manifestações de vaias por parte de alguns Granjenses. Era uma manifestação de represália pela eliminação do Selecionado de Granja, pelo selecionado camocinense.

Domingo, dia 21 de novembro de 1965. A boa Seleção de Viçosa desembarcara não como favorita, mas com muito otimismo por conta de ter em sua bagagem uma vitória conquistada, concedendo-lhe o direito de jogar, apenas, pelo empate.

No final da tarde, o resultado favorecera ao Selecionado Camocinense: Camocim 3 x 2 Viçosa. No dia seguinte, a Diretoria da APCDEC estava reunida para decidir como e onde seria a terceira partida entre Camocim e Viçosa, a fim de que fosse declarado o vencedor da chave.

Das reuniões e debatidas argumentações, a decisão final foi que a terceira partida entre Camocim e Viçosa seria em campo neutro, escolhida a cidade de Sobral, para servir de palco da disputa. Assim, o então famoso, e hoje saudoso, Campo da CIDAO estaria aberto para receber os torcedores de Viçosa e Camocim, para mais aquele encontro futebolístico, fazendo mais história num tempo em que Sobral sequer sonhava como seria o seu futuro Estádio do Junco.

Chega, finalmente, o Domingo, dia 28 de novembro de 1965. Pelo lado camocinense, para registro da história dos Intermunicipais, destaquemos nomes como Albano, Orlando, Cláudio, (goleiro), Tarcísio, Josias e Vicente, sem desmerecer diversos outros craques de bola. Pelo valoroso Selecionado Viçosense, sem deméritos aos demais, já que todos merecem destaques na história do futebol, registremos craques como o meia-armador Didi, o quarto zagueiro Alciomar, o half -esquerdo Louro, o goleiro Lessa, além dos expoentes Demétrio e Sabará.

De Camocim, saíram dezenas de carros, com torcedores, rumo à Princesa do Norte. Mas, o bom mesmo foi viajar no trem fretado, especialmente para o grande evento, saindo de Camocim pela manhã e retornando às 19:00h. Tempos bons, impossível não sentir saudades.

O árbitro Evandro Ferreira dá início à partida e o Campo da CIDAO abraça a festa do futebol, mas logo vem a surpresa que, praticamente, definiria o resultado da partida: Nascimento, o quarto zagueiro viçosense é expulso, decorridos pouco mais de dez minutos do primeiro tempo da partida, por haver revidado, com uma tapa no rosto, uma falta do meio−campista Vicente, da Seleção Camocinense.

A falta que provocou o revide foi, na verdade, uma “passada de mão” desrespeitosa nas nádegas do quarto-zagueiro de Viçosa, que o árbitro não viu. Mesmo estando bem próximo, o árbitro estava posicionado de costas para os litigantes, flagrando, quando se voltou, somente a agressão do zagueiro de Viçosa. Vicente, malandro que era e com muita cancha, curvou-se para frente, com as mãos no rosto, fazendo-se de única vítima. O árbitro estava tão próximo que, além de ter visto o gesto, é possível que também tenha ouvido o estalo da tapa, que custou caro ao Escrete Viçosense.

O jogo prosseguiu. Viçosa com um jogador a menos não conteve o ímpeto do Selecionado camocinense, que partiu para o ataque tirando vantagem da superioridade numérica e aproveitando as chances criadas. O resultado dificilmente poderia ser outro: Vitória de Camocim, por três gols a zero. Viçosa foi eliminada.

A famosa Rádio Tupinambá de Sobral, ao encerrar o seu programa esportivo, ainda comentou, em curto flash, a festa do futebol, no Campo da CIDAO, quando o relógio da Coluna da Hora marcava 19:00h, tempo exato da partida do Trem da Vitória, com destino a Camocim. E, nós, estávamos lá, felizes da vida. Embora ainda não soubesse, eu estava, também, despedindo-me do Campo da CIDAO, pois foi aquela a última partida a que ali assisti. Para os mais jovens, que não conheceram o Campo da CIDAO, ou o que significa esta sigla, ele foi o Campo da Companhia Industrial de Algodão e Óleo.

Não é fácil entender, mas, naqueles tempos, nós tínhamos um futebol, em quase tudo, diferente.

Na hora marcada, o nosso trem partiu. Em torno de 21:30h, ele apitou na Ponte de Granja, anunciando que o foguetório, enchendo os ares de festa, não era revide às vaias recebidas quando fomos derrotados em Viçosa. Estávamos, apenas, pedindo licença à nossa vizinha e irmã, para utilizarmos a sua ponte sobre o Rio Coreaú e prosseguirmos em paz até Camocim, onde dormiríamos felizes.

O Campeonato Intermunicipal de Futebol prosseguiu. Encontramos pela frente, no Estádio Presidente Vargas, a fortíssima Seleção de Sobral, quando fomos derrotados pelo escore de 3 x 2, e eliminados, mais uma vez, por Sobral, que já se posicionara como uma cidade mais próspera, com melhor estrutura e um grande número de colaboradores. Enfim, tinha mais condições de formar e manter uma Seleção mais forte, melhor preparada para levar o troféu para casa. E, com méritos, Sobral foi classificado para disputar a grande final, que venceu, sagrando-se Campeão do Intermunicipal, do ano de 1965.

Texto extraído do livro "Memórias de um Saudosista", de José Maria Trévia.
A obra, que pode ser adquirida por apenas R$ 20 reais, está à venda na Associação Amigos das Artes de Camocim (AMARTES), cuja sede está localizada ao lado do prédio da Estação Ferroviária. Mais informações: (88) 9 9633-6526