domingo, 28 de novembro de 2021

"O VELEIRO SUECO", POR AVELAR SANTOS

Corria o ano do Senhor de 1968!

Quem se dispôs a acordar mais cedo, naquela manhã chuvosa, passando pela rota da beleza, na altura da Praia das Barreiras, certamente avistou, ancorado a noroeste da Ilha da Testa Branca, na entrada da baía, protegido dos ventos, um catamarã com uma bandeira estranha.

Saindo do fiorde de Brofjorden, junto ao estreito de Escagerraque, o veleiro percorrera as 5.584 milhas náuticas que separam a Suécia do Brasil, em dois meses, navegando, com galhardia, por todo o percurso, como um imponente falcão dos mares.

Foi debaixo de um céu cinzento, sob um chuvisco teimoso, que não se cansava de escrever poemas, em código Morse, nas pedras gastas da rua, que, antes do meio dia, o capitão Solveig adentrou, a passos largos, a antiga Capitania dos Portos de Camocim, situada na Engenheiro Privat, solfejando, baixinho, uma velha canção de amor escandinava, sendo recebido, com cordialidade, pelo Comandante Honorato.

Falando um português carregado de sotaque, o navegador nórdico discorreu, de forma breve, para a autoridade naval, sobre o Drakkar, um barco ágil, de 10 m, com dois motores, um em cada casco, o que lhe conferia uma melhor estabilidade, mesmo em mar picado, permitindo-lhe romper as ondas com extrema segurança.

Disse, por fim, que ficaria, na cidade, por alguns dias, tempo bastante para navegar no estuário do Rio Coreaú, desbravando os manguezais, recarregar as energias, dando continuidade ao livro que narrava a aventura daquela jornada transoceânica.

Daqui, continuou ele, navegaria até Fernando de Noronha, para conhecer aquele paraíso de que tanto ouvira falar, na mocidade, e, de lá, retornaria ao torrão natal para o aconchego da família.

Mas, assim, não aconteceu!

Odin havia traçado outros planos para ele!

No dia da sua partida, que anunciara a pescadores, que se fizeram amigos seus, nas rodas de conversa, na praia, enquanto calefetavam as canoas, e, as redes de pesca eram costuradas, à luz do sol matinal, muitos estranharam que ele não tivesse aparecido para um dedo de prosa.

Eis que, naquele momento, o capitão Solveig já cruzara os portões de Asgard, sob o olhar compassivo da árvore Glasir, cujas flores vermelhas, caidas ao chão, formavam um imenso tapete para receber, com toda pompa, o valoroso viking.

Algumas semanas se passaram até que, sob novo comando, o Drakkar deixasse, em silêncio fúnebre, o cais de Camocim, acompanhado por barcos em procissão de despedida, até à barra, levando consigo a lembrança da calorosa acolhida que tivera na terra dos Tremembés.

Avelar Santos (Professor e Escritor)