domingo, 20 de fevereiro de 2022

O CONJUNTO BEETHOVEN

Por José Maria Trévia 
(Escritor Camocinense)

Em Camocim, nos últimos anos da década de 1950, um grupo de jovens, amigos por força das próprias circunstâncias naturais, estudantes do mesmo Ginásio Padre Anchieta e residentes próximos uns aos outros, tinham também algo em comum que os unia e os tornava ainda mais identificados: Todos tinham talentos musicais. 

Nada mais lógico que, em algum momento, surgisse uma ideia de se aproximarem ainda mais e, unidos por um objetivo comum, fundassem um Conjunto Musical. A sugestão foi abraçada por todos e o projeto logo foi sabiamente construído, tendo em vista as origens a que pertenciam aqueles jovens talentosos.

Como o grupo dispunha de bons conhecimentos, o Conjunto Beethoven foi estruturado com relativa facilidade, contando com os dois irmãos violinistas, Milton Medeiros e Odecílio Medeiros (Dodó, para os amigos); com o Carlito Aguiar, no piano; o Américo, ou a Mosa, no acordeom; o Carlos Vasconcelos, na bateria; e o Reginaldo Holanda, no triângulo.

No início ainda faltava uma bateria, indispensável para o disciplinamento do ritmo no Conjunto. Todavia, logo o obstáculo foi transposto, tendo em vista que havia um desses instrumentos, pertencente ao Camocim Clube, sem a devida utilização e cedida por empréstimo à Banda de Música Municipal, onde se encontrava sem utilização. O interesse demonstrado pelo Senhor Hindenburg Aguiar e intervenção junto à Diretoria do Camocim Clube e ao Maestro José Vieira, dirigente da banda, culminou com a decisão de ceder-se, definitivamente, ao Conjunto Beethoven, o referido instrumento musical.

Não obstante tratar-se de artistas não profissionalizados, o reconhecimento por parte dos camocinenses sobre os talentos ali reunidos levou a uma admirável aceitação de seu trabalho, chegando a firmarem contratos para apresentações em alguns eventos sociais.

Com o passar do tempo, quase todos os membros do Conjunto Beethoven se ausentaram, fixando residência principalmente em Fortaleza, suprindo uma necessidade de estudar em um centro mais avançado. Aos se instalarem em Fortaleza, alguns desses antigos membros do extinto Conjunto ainda fizeram parte de outro Conjunto Musical, tendo, posteriormente, optado por outras atividades, talvez em busca de outro sonho como profissional, embora a música jamais tenha deixado de fazer parte de sua vida.

Após três ou quatro anos do desfazimento do Conjunto Beethoven, a bateria, que fora doada para o Conjunto, continuava praticamente esquecida durante aqueles anos, no Ginásio Padre Anchieta, até que surgiu um novo grupo de jovens dispostos a quebrar o silêncio do Beethoven.

O novo grupo não era comparável ao grupo anterior, sem deméritos para os novos valores, haja vista que os fundadores do Conjunto Beethoven tinham mais opções e componentes mais experientes, principalmente contando com um pianista e dois violinistas, enquanto os novos participantes, excetuando a Mosa ─ que já fizera parte dos pioneiros e contribuíra para a sua afirmação ─ eram abnegados participantes de um novo movimento que buscava ressuscitar as atividades do extinto Conjunto Beethoven. Mas, tudo era por uma boa causa, tendo em vista que qualquer renda ou arrecadação era revertida em benefício do Colégio Imaculada Conceição.

O grupo era composto por, além da Mosa, no acordeom; Conceição Sena, no violão; Romildo, na bateria; José Stalin, no realejo. Os demais, não iam além de ritmistas nos instrumentos maracas, cabaças, reco-reco, banguê, destacando Raimundo Maio, José Maria Trévia e Cleilson Dantas. Estes dois últimos ainda se apresentavam improvisando encenações cômicas, com paródias e imitações de palhaços, a exemplo do Pim-Pim, e outros, que por Camocim passaram, nos circos mambembes, em visita à nossa cidade.

Parte do grupo que compunha o elenco do Conjunto Beethoven, também participava do Grupo Teatral, a exemplo de José Maria Trévia, Conceição Sena e José Stalin, contracenando com os demais componentes do Grupo de Teatro: Tânia Veras, Carminha (interna do Colégio) e José Sarto, dentre outros.

Os grandes momentos vividos por este grupo foram marcados durante as apresentações, em Parnaíba, no Piauí, Chaval e, por último, em Camocim, no dia 04 de outubro de 1963, da peça “A Filha do Pescador”. Esta dramatização contava a história de uma garota nobre, filha de uma Marquesa, que desaparece no mar e é salva por pescadores, adotando-a sem conhecer a sua verdadeira origem.

Nos palcos onde foi encenada, “A Filha do Pescador” foi muito aplaudida, demonstrando o acerto na escolha da peça e os esforços empregados nos ensaios, pelos atores e seus dirigentes, lembrando os nomes de Irmã Venceslina, Irmã Romana e irmã Eustólia. 

Ademais, de certa forma fomos favorecidos nos esforços para alcançarmos o êxito, pois pareceu-nos que a peça que apresentamos foi ao encontro de uma carência de apresentações dramáticas do gênero e conteúdo daquela natureza, quando comparado com o drama Sacro, de caráter religioso inspirado nos episódios bíblicos, como vinha acontecendo, sistematicamente, em Camocim.

Por circunstâncias adversas, o novo Conjunto Beethoven e o pequeno Grupo Teatral tiveram uma passagem efêmera pelos palcos de nosso tempo, ambos deixando saudades. Mas, não sentimos ofuscamento pelas luzes das ribaltas e nem vertigens nas alturas do antigo palco em que pisamos. 

Texto extraído do livro "Memórias de um Saudosista", de José Maria Trévia.
A obra, que pode ser adquirida por apenas R$ 20 reais, está à venda na Associação Amigos das Artes de Camocim (AMARTES), cuja sede está localizada ao lado do prédio da Estação Ferroviária. Mais informações: (88) 9 9633-6526