Ontem à noite, a cena que eu vi aqui em Camocim parecia, realmente, de guerra: filas de carros e motos esperando para encher os seus tanques, diante da notícia de que a gasolina iria subir 20% de uma vez, no dia seguinte.
A alta é resultado da guerra entre Rússia e Ucrânia, no outro lado do mundo. Os dois países são grandes produtores não só de petróleo, mas principalmente de gás. Como EUA e Europa querem parar de comprar o petróleo russo, diminui a oferta no mundo.
Mas a questão é bem mais profunda, e envolve o tipo de escolha que fizemos como nação.
Ao ver a fila, lembrei de uma cena que presenciei há alguns anos, salvo engano exatamente aqui em Camocim. Eu estava numa fila quando vi alguém reclamando da “roubalheira” na Petrobrás e não sei mais o quê. Até que ele soltou a seguinte pérola (que eu nunca esqueci): “Eu nem sei pra que que a gente quer um negócio daqueles (empresa pública). Tinha era que vender logo toda e pronto!”
Não sei se fiquei mais assustado com a infelicidade da ideia do cara, ou com a força da oratória que ele defendia tamanha estupidez.
Na mesma hora pensei: “Ora, o George W. Bush torrou bilhões de dólares para tomar o Iraque do Saddam não faz nem tantos anos assim! Esse cara acha mesmo que um país pode viver dependente de uma matéria-prima tão importante como o Petróleo?”
Eu fico com raiva do aumento, mas vou fazer o quê? Não sei fazer gasolina. O álcool sobe também, porque é uma questão de mercado (demanda sobe, preço sobe).
O que acontece é que, atualmente, toda política energética do Brasil é baseada no lucro do mercado, não no interesse nacional.
A gasolina subiu 20% não porque os custos de extração do nosso petróleo aumentaram em 20%, mas porque esse é o preço comercializado no mundo. Na outra ponta da corda, alguém vai aumentar os lucros em 20%. Essa é a lei do Mercado.
O Brasil descobriu o Pré-sal, a Petrobrás cresceu demais. Interesses econômicos (internos e externos) na cadeia nacional produtora de petróleo derrubaram um governo eleito democraticamente e se apossaram de nossas riquezas.
Não à toa, os governos seguintes de Michel Temer e Bolsonaro retalharam a Petrobrás e venderam muitas de suas partes, sob a justificativa de seguirem um pensamento econômico “liberal” (nesse momento, aliás, Bolsonaro está vendendo a Eletrobrás, que leva energia até nossas casas).
Com a guerra, a Petrobras vai aumentar enormemente seus lucros, às custas da renda do trabalhador brasileiro. Muitos desses lucros irão para seus donos no exterior.
Se a Petrobrás não tivesse ações listadas na bolsa de Nova York, ela poderia vender a gasolina no Brasil pelo preço que lhe possibilitasse os custos de produção, adicionando a remuneração esperada. Porque hoje, se a Petrobrás não vender pelo preço do mercado, será acusada de lesionar seus acionistas e condenada a indenizá-los, de acordo com as leis dos Estados Unidos.
Por isso chamo esse momento de “escolha que fizemos como nação”. O homem comum é tragado pela interpretação que a mídia faz dos acontecimentos, e acaba não entendendo as coisas pelo que são.
Como aquele homem na fila, muitos brasileiros acreditaram que não era bom para o País possuir uma empresa pública que garantisse nossa autossuficiência em Petróleo. Vendemos nosso patrimônio e agora não temos mais o poder de opinar.
Em nome do “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, abrimos mão da nossa soberania energética nacional.
Então, mesmo nós estando sentados em cima de uma das maiores reservas de petróleo no mundo, o Pré-Sal, temos que pagar o preço que Londres deliberou, por causa de uma guerra na Ucrânia, seguindo as leis dos Estados Unidos.
Essa foi a escolha que fizemos como nação não em 2018, mas em 2016.
*É Jornalista e Publicitário. Escreve às sextas