domingo, 26 de junho de 2022

O ENCANTADOR DE PASSARINHOS

Por Avelar Santos*

O dia ainda não raiara quando a buzina de um Jeep se fez ouvir, quebrando o cristal do silêncio, soerguendo, impaciente, o véu diáfano da madrugada, ao aproximar-se, a passos de tartaruga, de um velho casarão.

Aquela barulheira acordou-me, de vez, dos sonhos de criança, espantando, também, as corujas, de tocaia no alto da gare da estação ferroviária, esperando o repasto matinal, que, amedrontadas, fugiram dali, emitindo piados de descontentamento.

O veículo, enfim, estacou, com um rangido rouco, parecendo mesmo desmontar-se todo, permanecendo com o motor ligado, talvez para manter-se melhor aquecido do vento frio, que, furioso, encapelava o mar, perto do cais, fazendo-o bramir, agitado, enquanto aguardava, com rara solicitude tibetana, a chegada dos passageiros.

Corria o ano da graça de 1969!

Na saída de casa, na companhia do meu pai, que rapidamente envelhecera cem anos, ao despedir-me de minha mãe, senti-me envolvido por um halo de luz, após sua bênção, e, não conseguindo segurar mais a emoção, deixei que meus olhos, salpicados de lágrimas, dissessem aos seus, cheios de amor, da dor que afogueva o peito pela insólita partida.

Aquela seria a viagem que me levaria ao Seminário de Tianguá onde iria estudar!

E lá fomos nós, chacoalhando, subir a estrada íngreme da serra, com o sol, despontando, sonolento, no horizonte, acordando a mata, que ainda cochilava, acariciada pela chuva da noite anterior.

Finalmente chegamos!

A névoa cobria tudo!

Fui recebido à entrada do meu novo lar, por Frei Aquino, que tentou alegrar-me, com seu jeito bonachão, mas a tristeza tomara conta de mim, curvando-me o espírito, silenciando a minha voz.

As semanas se passaram!

Debruçado, incansavelmente, sob os livros, com os estudos exigindo maior atenção, a saudade do torrão natal começou a distanciar-se de mim, enquanto a roda da vida girava devagar.

E as amizades floresceram!

Certa feita, ao caminhar para a capela, de manhã cedinho, conheci Frei Anésio.

De sorriso fácil, fala mansa, tranquilo, sempre nos dispensava uma palavra amiga, abotoada de contentamento.

Das boas recordações do passado, uma está entrelaçada com a sua sintonia com as criaturas de Deus, porquanto muitas vezes vi a passarada alegrar-se, quando ele estava no bosque, e os passarinhos, felizes, acorriam, ali, somente para vê-lo.

Salve, Frei Anésio!

Sua dedicação em seguir os passos do, Poverello de Assis, amando o próximo, como o Divino Mestre nos ensinou, pronto a ajudar àqueles irmãos à margem da estrada, seguindo, adiante, com a alegria estampada no coração, é algo exemplar.

Que as asas protetoras do Onipotente sejam o seu refúgio, Frei Anésio, por que somente Ele sabe o quanto espalhou, incansavelmente, o bem pelos caminhos.

*Professor e Escritor