domingo, 11 de setembro de 2022

FAGULHAS DE ESTRELAS

Por Avelar Santos*

A vida tem um quê de encantamento, de poesia sublime que me comove profundamente.

Na meninice, que se perdeu, ingrata, pelas veredas ermas, parecia que os passarinhos canoros dos dias eram infindáveis - e que a chama bruxuleante da existência jamais se apagaria!

Era época de brincadeiras, mas também de solene aprendizado, de fortalecimento dos laços familiares, de reverência ao Criador.

Na Engenheiro Privat, na amada Camocim, cotidianamente um milagre acontecia - e o Céu descia à Terra.

Ali, perto de tudo, eu era um privilegiado paxá, porque o mundo inteiro estava ao meu alcance.

Os navios – e o trem – compunham um cenário mágico, na urbe provinciana, que nos alegrava sobremaneira.

Como era bom acordar, Senhor Deus dos Desgraçados, de madrugada, ouvindo a cadência ritmada da velha Maria Fumaça, toda cheia de graça, a esperar, paciente, o embarque dos passageiros com destinos diversos.

Mesmo após alguns minutos de sua partida, o ar ficava impregnado, ainda, com o cheiro de lenha queimada, do incenso utópico do sacrifício das matas, que permitia a diminuição das distâncias dos caminhos.

E o que falar, Paizinho Celeste, do ribombar feliz dos apitos daqueles "paquetes", que, majestosos, rumavam, serenos, para o cais?

Ah! Aquilo era festa de gala para os olhos - e bálsamo de Palmira para a alma de um menino.

O zarpar contínuo dos anos foi conduzindo gradativamente minha canoa a um ponto da cada vez mais distante...

Ao atingir a idade em que o coração se perde loucamente ao enfunar a vela das paixões, por uma bela mulher, quantos amores alçaram voo do meu peito angustiado, dos penhascos inatingíveis dos sonhos de rapaz, voando, aflitos, desbravando mares nunca dantes navegados, querendo sofregamente passar além do Bojador, sem temer um instante sequer as dores atrozes que viria a sofrer por tal gloriosa travessia.

Só, por isto, a vida reluz.
E, certa feita, quando vi, a canoa disparara, enlouquecida, tendo Cronos como cruel timoneiro!

E, a partir daí, os dias, que outrora engatinhavam, de repente ousaram correr mais que Bikila.

Enfim, constatei, aflito, que, garotos travessos, fugiam, agora, céleres, de minhas pobres mãos.

E eis que passaram tantos – e tão velozes – que, quando me dei conta, seus rastros pontilhavam toda estrada, e, a poeira, por eles deixada, escureceu minhas alegrias e esperanças – últimas pombas ligeiras a revoarem dos pombais!

A antiga claridade dos dias não mais existe!

No horizonte, nuvens escuras anunciam a chegada de hordas de tempestade, trazendo consigo ventos que uivam, incessantes, além de uma chuva que não dá trégua alguma!

Na pequenez reclusa da mente, trago o passado cuidadosamente envolto em papel de presente, intacto, que desembrulho, aqui e ali, bem devagar, deixando-me, de novo, contemplar perdidos sóis – e navegar, enfim, além das Tormentas.

*Professor e Escritor