sábado, 19 de novembro de 2022

A SOPA ACABOU!

Por Carlos Augusto P. dos Santos*

Antes mesmo de 1987, data em que ingressei na UVA como aluno do curso de Estudos Sociais, alguns camocinenses já iam para Sobral estudar, utilizando ônibus de empresas que atuavam na região, tipo Rápido Mossoró, Expresso Ipu-Brasília, dentre outras, alugando e pagando do próprio bolso. 

Os alunos buscavam se formar em professores nas áreas de Pedagogia, Letras, História, Estudos Sociais, Matemática, Ciências que eram os cursos oferecidos pela UVA e os mais procurados. Tinha ainda o curso de Obstetrícia (que depois se transformou em Enfermagem) e Tecnologia da Construção Civil.

Quando chegou minha vez, a cada semestre era um sufoco para definir como se iria a Sobral. Sem falar das estradas péssimas. Indo por Martinópole a estrada era carroçável. Por Aprazível era buraco que não acabava mais. No inverno, havia atoleiros. Ônibus quebrava quase toda semana. 

Nos especializamos em pedir carona na saída da cidade e no meio da estrada, nas condições mais perigosas e bizarras (depois contarei algumas delas por aqui). Nem sempre se conseguia ajuda da Prefeitura. Dependendo do humor do gestor se dava 25%, 50%, do valor do frete. Os alunos é quem assinavam os contratos com os donos de empresa.

Nesse sentido, num destes semestres eu mais dois colegas fomos a Sobral fechar contrato com o dono da Empresa Vale do Acaraú. Ao sermos atendidos por um dos filhos do proprietário, na boca da noite, o mesmo pensou que éramos pedintes e ao ver nossa cara, disse secamente antes que disséssemos boa noite:

“Tem mais não, a sopa acabou!”. Uma das colegas deu o troco:
“Te enxerga macho, nós queremos é falar com o dono dos porcos”.
Antes que se iniciasse uma discussão o senhor dono da casa e dos ônibus saiu e perguntou o que queríamos.
“Alugar um dos seus ônibus para nos trazer de Camocim para Sobral”.
Ele falou: “É Excursão?”
“Não, senhor. Somos universitários”.

Ele então nos convidou a entrar e travamos uma rápida negociação. Ele confessou e admirou nossa força de vontade e lamentou que nenhum dos seus filhos quisesse estudar. Acertou tudo e nem sequer exigiu contrato, pedindo apenas que não atrasássemos o pagamento.

Tido como um dos homens mais ricos de Sobral, seu “império” com o tempo foi minguando e hoje não se fala mais nele. O filho que nos atendeu é tido como “doido” em Sobral e se candidata a cada eleição a prefeito, deputado estadual e federal. Quando não está em “campanha”, percorre o estado e o país em cima de uma bicicleta.

*Professor, Historiador, Escritor e Editor do Blog Camocim Pote de Histórias