domingo, 11 de dezembro de 2022

BARCOS AO MAR

Por Avelar Santos*

Nada existe de mais belo do que velas boiando à luz da lua, navegando, serenas, riscando o mar, como garças reais, deixando para trás uma faiscante esteira de prata.

Imagine-se, portanto, a beleza poética de dezenas de embarcações saindo do cais, à boca da noite, em solene procissão, tendo as lamparinas celestes como guias, desfilando, garbosas, sob os olhares orgulhosos de uma multidão que se acotovelava por toda a extensão da orla para assistir de camarote àquele espetáculo grandioso.

Durante muitos anos a pesca da lagosta foi um dos esteios centrais da economia cearense, cuja exportação do produto rendia vultosos dividendos ao Estado.

Nesse contexto, Camocim se sobressaía como um dos maiores polos lagosteiros do Nordeste, em função de todo o complexo aparato de seu parque industrial, voltado para esse setor, composto por várias empresas, destacando-se, dentre elas, a EMPESCA e a DELMAR, que, por anos a fio, geraram riquezas, promovendo a paz social.

Na data oficial que dava início à pesca da lagosta, a cidade se agitava, feliz, serpenteando sorrisos por todos os recantos, percebendo-se no ar uma euforia diferente - que desaguava num mosaico surreal de emoções que grassava por toda urbe.

No fim de tarde desse dia tão ansiosamente aguardado por todos davam-se os últimos preparativos para a festa da saída das embarcações, carregadas com centenas de caçoeiras, apetrecho próprio para a captura do crustáceo, que tomava praticamente todo o espaço do convés das naus, com a azáfama dos pescadores sendo supervisionada de perto pelos mestres, que não deixavam passar qualquer senão, cada um querendo ganhar o galardão de honra daquele que traria, nos seus porões, a maior quantidade possível desse delicioso decápodo marinho.

Um desses comandantes de barcos, alcunhado de Pepita por conta de sua sorte invejável, homem afável, de conversa mansa, era bastante respeitado por seus pares, por que ele parecia ter um azougue natural para descobrir onde as lagostas se encontravam, e, por isso mesmo, ano após ano, detinha o título de melhor mestre de embarcação, granjeando, dessa forma, o respeito de seus chefes e a admiração da coletividade.

Por essa época, final dos anos 80, o prefeito M..., querendo tornar atrativo turístico aquela festança, mandava que não se acendessem as luzes até que o último barco fosse um ponto distante, no horizonte, a fim de que todos pudessem apreciar a procissão dos barcos, que, em fila indiana, com suas lanternas de popa varando a escuridão, iam, um a um, deixando o pombal seguro do porto, agitados, apitando, sendo saudados por inúmeros fogos de artifício, que formavam desenhos magníficos, no céu, cujo barulho era simplesmente ensurdecedor.

Esse tempo de bonança sem fim se esfumaçou de vez devido o excessivo esforço de pesca, o que motivou o esgarçamento gradativo da pesca comercial da lagosta, por essas bandas, ensejando, com isso, que a frota pesqueira rumasse para águas mais profundas da plataforma continental amazônica, cada vez mais, almejando encontrar produtivos locais em que a lagosta era rainha, promovendo, com isso, a abertura de um novo entreposto pesqueiro consolidado em Bragança-Pa.

Melancolicamente as empresas pesqueiras distenderam suas asas e voaram para o norte, deixando aqui somente a lembrança dos anos de ouro de enorme abastança.

Não se ouve mais o alegre ribombar dos apitos, o zoar dos foguetes, nem tampouco há a animação pueril do cortejo marítimo que abrilhantou por uma eternidade a vida da gente camocinense.

No velho ancoradouro pontuam agora poucos botes, que, sob os raios do luar, estendem, súplices, seus velames ao vento, cuja visão amordaça de nostalgia minha alma cansada.

*Professor e Escritor