sábado, 25 de março de 2023

O LAR DA JUVENTUDE

Por José Maria Trévia 
(Escritor Camocinense)

"Bons companheiros reunidos na Praça Pinto Martins, em julho de 1964. 

Da esquerda para a direita: Luzimar Pinto, Tarcísio Melo, “Carrin” da Macaboqueira, José Maria Trévia e Raimundo Maia", escreveu o autor sobre a foto. 


O LAR DA JUVENTUDE 
No início da década de 1960 chegara a Camocim o Padre Luiz, pertencente a uma Ordem de Sacerdotes que abraçara o combate aos descaminhos da juventude, haja vista a carência do lazer saudável e a ausência de orientadores capazes de dialogar com os jovens. 

O foco principal era a orientação para um relacionamento saudável entre os jovens e a oportunidade para que os mesmos desenvolvessem a capacidade de criar e forjar a sua responsabilidade, de acordo com a sua maturidade.

Não ousarei tratar de qualquer análise dos encaminhamentos ou resultados desse louvável trabalho, até porque não sou possuidor de conhecimentos específicos, práticos ou teóricos, sobre esse delicado assunto, lembrando apenas que se tratava de uma tarefa árdua, exigindo muita paciência e sacrifício da parte de seus obreiros.

De minha parte, a modéstia intromissão no assunto vem na busca de revolver fatos ou passagens daquele saudoso tempo, trazendo a lume acontecimentos dos quais participamos, como jovens atuantes ou meros observadores.

O passo inicial do trabalho foi a indispensável arregimentação dos jovens, ou alvo principal, nas Escolas e nas Igrejas, criando uma estrutura de participação e fundando o que se denominou Lar da Juventude, tendo sido Camocim agraciado com duas dessas instituições: Lar da Juventude Centro e Lar da Juventude São Pedro, ficando sediada no prédio, construído em 1960, para instalação própria do efêmero Cine São Pedro, no Bairro de mesmo nome.

Quanto a mim, participei do Lar da Juventude (Centro), que foi sediado no cruzamento das Ruas da Independência e Santos Dumont, no prédio onde atualmente funciona o Colégio Georgina, que trabalha em parceria com a Faculdade Anhanguera.

Após dois anos, aproximadamente, do início desse trabalho, o Padre Luiz foi transferido e substituído pelo Padre Edvar. Este, sempre teve uma “pulga atrás da orelha”, a meu respeito, por minhas atitudes rebeldes e, muitas vezes, inaceitáveis, embora mantivéssemos um razoável relacionamento. Acredito que tudo era fruto da minha maneira de ser, uma vez por outra aprontando algo que contrariava uma parcela significativa dos atingidos. O interessante é que, salvo as exceções, como é de praxe, entre os estudantes do meu Colégio Padre Anchieta, eu detinha uma liderança extraordinária, o que me tornava imbatível nas eleições dos Grêmios Esportivo ou Literário.

Certa vez, o Padre Edvar marcou hora e data para uma palestra, ministrada por ele mesmo, dirigido especialmente aos jovens, numa tarde de sábado, no Lar da Juventude. Eu tinha lá as minhas indisciplinas, mas nunca fui afeito a impontualidade. 

Dessa vez, “caí na malha fina”, e cheguei atrasado. Nessas situações, eu sempre lembrava a frase “A impontualidade é uma expressão de relaxamento moral”, que conheci exposta na parede de minha sala de aula, na Marinha. Ainda assim, achei de somar mais agravantes ao meu procedimento, ao dar uma resposta nada convencional a uma pergunta que o Padre Edvar me fez, quando adentrei na sala, em pleno andamento da palestra:

─ Pronto, o José Maria vai responder: O que é o amor? Perguntou-me, no silêncio da plateia. Eu deveria ter sido mais esperto, dando-lhe uma resposta baseada em tudo que se ouve e se fala sobre os mais diversos tipos de amor. Mas, optei pelo lado errado, embora fosse mais engraçado:

 − O amor... é uma flor roxa que nasce no coração de um trouxa.

Alguns ensaiaram riso, mas se contiveram, e a sala manteve-se em silêncio. O Padre Edgar  olhou-me bem de frente e também optou pelo silêncio. Voltou-se para a plateia e retomou sua palestra:

─ Bem, pessoal, como eu ia dizendo, o amor...

Era, assim, que aos poucos eu ia queimando a minha imagem. E sempre havia alguém que ateava fogo para assar minha batata.

Entremos, agora, na primeira sessão da hora da saudade, propriamente dita: O primeiro Presidente eleito foi o meu dileto amigo Eisenhower Vasconcelos, com preferência unânime, dado a seu companheirismo e sociabilidade. A nossa primeira Tesoureira foi Eny Queiroz, verdadeiramente talhada para a função. Os associados recolhiam uma pequena taxa mensal, que era empregada no pagamento de despesas. Provavelmente, a Instituição era subsidiada, pois o valor arrecadado, jamais alcançaria o necessário para as despesas. Nossa amiga Mosa, minha professora de sempre, tinha bastante influência no funcionamento do Lar da Juventude, quer fosse o aconselhamento informal, no dia a dia, ou como fonte de sábias sugestões para as mais diversas atividades.

Ali, naquele ambiente, descobrimos grandes amigos. Sem desmerecer os demais e citando apenas alguns, iniciamos por Eisenhower , Eny Queiroz, Mosa, Luísa Marques, Raimunda Marques, Ivan Gomes, Mário Rios, Socorro Pinheiro, Luzimar Pinto, Romilda, Emanuel Pinto, Alice Medeiros, Mirtes Rios, Gesuilda, Eunice Medeiros, Tânia Rocha, dentre muitos outros. Assistíamos a Palestras sobre diversos temas; tínhamos jogos de Ping-Pong, Dama, Xadrez, Música; e dançávamos Bolero, Fox, Samba e Twist. Só não podia dançar “colado”.

Eu sempre achei que o criador do nome LAR DA JUVENTUDE foi um iluminado, de tanta criatividade que vejo nesta expressão. E até hoje eu a traduzo como um lugar onde se respira juventude, onde se sente a inexplicável essência da juventude em ebulição; onde a juventude mora sem a dependência do esqueleto de quem pensa carregá-la; e não, simplesmente, o lugar de pedra e cal, para onde vamos, simplesmente, porque somos jovens.  

Texto extraído do livro "Memórias de um Saudosista", de José Maria Trévia