domingo, 6 de agosto de 2023

A FONTE LUMINOSA

Por Inácio Santos
(Escritor Camocinense) 

Não me lembro de um fato que me tenha causado maior agitação, quando criança, que a inauguração da tão falada, na época, “fonte luminosa”. Só o nome causava não só em mim, mas em toda meninada, bem como, no populacho em geral, certo quê de mistério e fantasia. 

Os comentários eram levados boca a boca, e ficávamos a imaginar um turbilhão de formas, cada qual a sua maneira. Até que enfim chegou o tão esperado dia, e lá estava eu, levado pela minha mãe, juntamente com meus irmãos, e acredito quase toda a cidade, pois, a praça da estação estava repleta. 

Regurgitava na referida praça uma enorme e diversificada multidão: adultos, jovens, mães com seus filhos, moças, rapazes, enfim, todos com o mesmo objetivo, ou seja, assistirem à inauguração da famosa “fonte luminosa”, que estava marcada para logo após a chegada do trem. 

Era grande, pois, a expectativa, e a praça, com o avançado da hora, ia enchendo-se cada vez mais, tanto pelas pessoas que comumente nesta tarde, ali estavam para inauguração, juntando-se aos vendedores de bala, pipoca, pirulito, cigarros, doces, brinquedos de madeira (na época plástico era coisa rara) e demais quinquilharias próprias a essas ocasiões. 

O ruge-ruge aumentava com passar das horas, e por falar em hora, não é que o danado do trem logo naquele dia resolveu atrasar, pois já passavam 15 minutos das 17:30h, hora da sua chegada habitual e nada. Tal fato só servia para aumentar a expectativa geral. E lá estava ela, a tal fonte, incrustada bem na frente do majestoso prédio da estação, a uns metros da calçada da mesma, constituindo-se de uma construção de alvenaria, toda azulejada, em forma de uma grande roda (círculo), com uma roda menor em seu interior, a roda menor era inundada de água, bem no centro do círculo (como se fosse uma ilha). Havia uma espécie de jardim, com pedras, plantas, etc. 

Na parte aquática nadavam: peixes de variadas espécies: 02 peixes-boi, aruanãs, tartarugas, cágados, vários tipos de marrecos e patos, além de 05 majestosos cisnes. Enquanto que na ilha (roda central), ficavam animais de hábitos terrestres, como: garças, sariemas (aves da família dos pernaltas, que tem por costume dormitar equilibrando-se em uma só perna, que por sinal é longa e fina), preás, coelhos, capivaras e para o colírio dos olhos, principalmente da molecada, um filhote de jacaré. Toda a estrutura da obra era cercada externamente por um forte e alto alambrado que servia de proteção. 

O puro e simples visual da fonte, já deixava a todos embevecidos, extasiados e triversijavam comentários. Uns afirmavam que nem na capital existia igual, outros diziam que era coisa das Europa - modelo francês, o certo é que a respeito do disse me disse, num ponto todos concordavam, era uma bela construção (obra). Agora só faltava inaugurar para saciar o desejo do povaréu que ansiosamente aguardava. Faltavam dez minutos para as dezoito horas quando se ouviu o tanger de um sino lá pras bandas do Salgadinho; logo em seguida soou um saudoso e plangente apito. 

Era o trem que estava chegando e como sempre ao chegar, o velho trem roubava qualquer espetáculo, e não foi diferente desta vez. Todos (ou pelo menos a maioria), esquecendo momentaneamente a "fonte" correram adentrando à estação para esperá-lo, e ele (o trem) chegou rangendo, bufando, apitando, fazendo o seu habitual estardalhaço o que para nós, camocinenses sempre soava como uma verdadeira sinfonia. 

Após a chegada, abraços, saudações, carregos e descarregos, etc... O povão satisfeito por assistir a mais uma chegada do trem (sempre motivo de animação), acorre novamente à praça da estação para o desfecho final desta tarde histórica e alegre. A comitiva de autoridades liderada pelo então prefeito, já falecido Setembrino Veras, que não era homem de muitas delongas, foi logo autorizando o procedimento inaugural. À ordem dada, tarefa executada! O operador entrou na casa de força (motores) e ato contínuo acionou as bombas. Eram 18:25h. Deus todo poderoso! Uh!! Nossa!!! Viva!! Virgem Santíssima! A maravilha das maravilhas.

Jatos d'água impulsionados pelas bombas emergiam de inúmeros locais cobrindo totalmente a grande circunferência, milhares de gotículas multicolores (amarelo, laranja, vermelho, verde, lilás, azul) devido aos holofotes internos, formavam um enleio de prismas que dançavam loucamente, ora vermelho rubi, verde esmeralda, amarelo ouro, azul turquesa, um verdadeiro arco-íris de brilho e esplendor. Lindo! Lindo! Hip! Urra!!! 

A multidão delira e aplaude, hipnotizada por tão esfuziante espetáculo de beleza... Estava inaugurada a fonte luminosa. Infelizmente, com passar do tempo, nossa querida "fonte luminosa" começou a sofrer o inevitável descaso das autoridades, a exemplo do movimentado porto, a estrada de ferro (trem) e de tantas outras boas coisas que um dia tivemos. Os motores pifaram. Ajeita hoje! Ajeita amanhã! Vêm peças da capital. 

Nunca mais foram recuperados. Restou apenas a fonte (não mais luminosa), sobraram os animais. Mas com o passar dos anos (outras administrações), a velha ponte caiu no ostracismo do esquecimento, os animais foram aos poucos morrendo ou sendo roubados, a ferrugem corroeu as estruturas metálicas, a maresia destruiu a beleza arquitetônica, e por fim o progresso em forma de trator, a varreu do mapa definitivamente, para construção de uma praça.

Texto extraído do livro "Flamengas & Boqueirões"