sexta-feira, 19 de abril de 2024

A MODA DO CIGARRO ELETRÔNICO E O IMPACTO NA SAÚDE DOS JOVENS

“Se os mais jovens deixam de fumar, a indústria decai, da mesma maneira que uma população em que não há nascimento acaba desaparecendo” (Mariana Pinho)

Por Eduarda Ramos (Site Lunetas)

A indústria do tabaco desenvolveu um produto para supostamente ajudar adultos a parar de fumar e acabou influenciando crianças e adolescentes a usarem cigarro eletrônico. Especialistas comentam os riscos à saúde e qual a situação dos jovens no Brasil.

“Diferente do que alegam as empresas que produzem esses produtos em relação ao público-alvo, que supostamente são adultos que desejam parar de fumar cigarros tradicionais, a gente observa que quem tem consumido [cigarros eletrônicos] mais frequentemente são jovens”, diz Mariana Pinho, enfermeira e mestre em saúde pública pela Fiocruz.

Em 2023, o inquérito Covitel, que monitora os fatores de risco para doenças crônicas no Brasil, apontou que 5,7% da população com 18 anos ou mais já usou cigarro eletrônico uma vez na vida. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense) 2019, 2,80% dos estudantes brasileiros de 13 a 17 anos de idade usaram cigarros eletrônicos nos últimos 30 dias. No mesmo ano, dados da Pesquisa Nacional de Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o consumo dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) é de 0,6% – aproximadamente 1 milhão de usuários. Desses, 70% têm idade entre 15 e 24 anos.

“Vape”, “pod”, “pen drive”: cigarro de jovem?

Além de aparecer em séries que se passam no ambiente escolar, como “Euphoria” (2019) e “Rebelde” (2022), Aline Mesquita de Carvalho, psicóloga do Programa Nacional de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco de Câncer, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), considera que o formato dos cigarros eletrônicos “parecido com outros objetos encontrados nas mochilas escolares, como pen drives, corretivos e canetas” podem atrair o público jovem.

Para ela, o “próprio nome ‘vape’ cria a falsa impressão de que esses produtos só emitem vapor e não substâncias tóxicas”. Mas, embora o uso de aditivos “melhore o gosto e diminua a irritação nas vias respiratórias, aumenta também a capacidade de causar dependência”.

“A indústria precisa de uma estratégia que estimule o consumo. Logo, se o primeiro cigarro é uma experiência ruim, embalagens e sabores agradáveis o tornam um produto muito mais atraente para a juventude”, diz Pinho.

Além disso, cigarros eletrônicos têm embalagens completamente diferentes dos cigarros convencionais. “Sem uma mensagem nítida de que não se deve consumir, passam a ideia de que não é prejudicial como o cigarro”.

Em comparação aos cigarros tradicionais, em que um dos vilões é a geração da substância cancerígena alcatrão em decorrência da queima do tabaco, o cigarro eletrônico não pode ser considerado menos prejudicial. Como diz Pinho, os sais de nicotina presentes no aparelho são altamente absorvidos pelo organismo e têm grande potencial de causar dependência química, podendo desencadear mudanças duradouras no cérebro do jovem. “Quanto mais cedo a exposição a essa substância, mais receptores de nicotina o cérebro cria. Ou seja, um adolescente tem muito mais receptores do que alguém que começou a fumar mais tarde”, explica.

“A verdade é que a esmagadora maioria dos fumantes começou a fumar na adolescência”, diz Cheryl Healton, professora em política de saúde pública, sobre a possibilidade de viciar adolescentes em nicotina, no documentário “Big Vape”, que mostra a ascensão e a queda de uma marca de cigarro eletrônico.

Além de causar problemas no desenvolvimento emocional e cognitivo do adolescente, a exposição à nicotina pode afetar o sistema circulatório e vascular, aumenta riscos de infarto do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais (AVCs), disfunção erétil e problemas no aparelho reprodutor, diz Pinho. No Reino Unido, uma jovem asmática de 12 anos sofreu um colapso pulmonar atribuído ao uso de “vape”. Estima-se que uma em cada cinco crianças entre 11 e 17 anos de idade no Reino Unido já experimentou cigarros eletrônicos.