domingo, 5 de maio de 2024

O CAVALO DO CAPATAZ DO MORGADO

Por Avelar Santos*

Quem diz, por aí, que o cachorro é o melhor amigo do homem é porque, certamente, não conheceu o endiabrado cavalo Vizir.

E olha que não estou falando do corcel árabe que Bonaparte montou quando liderou suas tropas, através dos Alpes, seguindo os passos de Aníbal e Carlos Magno, na heroica campanha militar  contra os austríacos em maio de 1800.

Esse que vou vos falar trata-se de um plebeu alazão, com um sinal em forma de cruz, na testa ampla, de andar majestoso, doido pelo dono, igual a uma criança pelo pai, antigo capataz da Fazenda Morgado.

Josias, esse era o seu nome, sempre fora um homem trabalhador, afeiçoado às lides do campo, que nada sabia de geografia, nem tampouco nunca ouvira falar sobre o imperador dos franceses que, a exemplo de  Alexandre, o Grande, quis conquistar o mundo com o seu poderoso exército.

Bem apessoado, ele logo caiu nas boas graças de D. Joaquina, irmã mais velha do proprietário da fazenda, que herdara, além do nome, também a feiúra daquela outra da realeza brasileira distante.

Todavia, diferentemente da Rainha Consorte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, de origem castelhana, que cedo casara com D. João VI, esta possuía um coração bondoso - e uma alma nobre -  que a todos cativava.

E não demorou ela e o Josias se casaram!

Como ninguém é perfeito, pouco tempo depois do nascimento do primeiro filho, ela não demorou a perceber que o marido andava a arrastar uma asa por alguma cotrovia, porque, desde então, ele não mais aquecera a sua cama.

E isso a deixava muito triste!

O que a boa mulher não supunha é que, na verdade, as duas asas de Josias estavam partidas ao meio pelo coração de Ivana, uma cabrocha faceira dona de uma bodega, léguas dali, que ele visitava com frequência para tomar uns tragos.

Nessas ocasiões, aos domingos, ele montava o Vizir, que já estava.a relinchar de felicidade, pelo curral, sabedor de cor de seu destino, naquele dia, caminhando, propositamente, a passo, para demorar a chegar, e, fingindo-se inocente, por  que cúmplice daquela safadeza, parava sem aviso defronte à casa da amada do dono.

Disfarçando, como se fora gente, após  o capataz desmontar, dirigindo-se, apressado, à residência, ele se afastava um pouco, de cabeça baixa, de olhos fitos no chão, tentando não escutar  a sinfonia do amor que subia até os serrotes. 

Mas não tinha jeito!

Horas se passavam, quando, finalmente, os gemidos cessavam, e ele, pelo canto do olho, via com que satisfação Josias se despedia de sua amante, ciente que agora devia aproximar-se mais, porquanto era chegado o momento de voltar para o lar.

E com que alegria ele sentia o dono montar, assobiando, feliz, deixando o bridão frouxo, dizendo a ele que podia escolher o caminho de retorno que quisesse, usualmente trotando na trilha  que acompanhava o Rio Contendas.

E isto se repetiu por anos a fio!

E o Vizir, que nunca soube o porquê de ser chamado assim, muito embora um simples animal, zero sangue puro, teve vida de imperador, talvez porque jamais ousou falar nada, principalmente com as éguas das redondezas, sobre os segredos do patrão, tornando-se, assim, um valioso talismã para o mulherengo de seu dono.

*Professor e Escritor Camocinense