sábado, 18 de maio de 2024

O FILHO DO CARPINTEIRO

Por Avelar Santos*

Antes de sair de seu casebre, perdido num bairro pobre, naquela cinzenta manhã, para ir ao centro da cidade,, o homem fora até o cômodo onde seu filhinho repousava, e viu que sua esposa ainda se encontrava sentada, na mesma posição, ao lado do pequenino, que há dias estava doente, velando amorosamente o seu sono.

Deitado numa velha rede de algodão, gasta pelo tempo, postada perto da tosca janela, um garoto de quatro anos, de corpo mirrado, devorado pela doença, respirava com dificuldade, com pontadas frequentes de tosse, que deixavam-no bastante inquieto, sendo atendido, nessas ocasiões, por sua dedicada mãezinha.

E assim a mulher passara a noite inteira desvelando-se em cuidados com o filho, sem ter nenhum descanso.

O marido aproximou-se dela, e, com a emoção boiando ligeira nos seus olhos súplices, nada pôde dizer, limitando-se em afagar rapidamente seus cabelos.

Ela, por sua vez, tentou esboçar um sorriso, em retribuição ao carinho recebido, mas sua agonia interior não permitiu isto.

Depois de olhar novamente para a criança, até um dia desses um menino alegre, brincalhão, que não desgrudava um só instante de um trenzinho de madeira, que ele lhe dera, no ano passado, como presente de aniversário, causando tanto rebuliço, por onde passava, e que, agora, encontrava-se naquele estado deplorável.

Finalmente saiu!

Na rua, seus pensamentos em desalinho teimavam em mostrar-lhe o lado sombrio das coisas, fazendo-o ver repetidas vezes a imagem do filhinho agonizante.

De boa índole, porém inculto, porquanto nunca tivera oportunidade de se dedicar aos estudos, ajudando, desde tenra idade, ao seu pai, na roça, junto com os irmãos, cedo casou, provendo o sustento da família com o seu ofício de carpinteiro.

Andando apressado, para não perder a hora, posto que ia encontrar-se com um comerciante que lhe encomendara, dias atrás, uma mesa para jardim, cujo ganho seria revertido na compra da medicação do filho, prescrita pelo médico.

Ao passar, contudo, pela igrejinha de São José, construída nos primórdios da urbe, muito embora não se recordasse mais da última vez que ali estivera, vendo que a porta estava aberta, atendendo a um apelo aflitivo de sua alma angustiada, resolveu entrar.

Àquela hora, como não havia ninguém no recinto, ele postou-se no banco defronte ao sacrário, e, extravasando sua dor, chorou copiosamente.

Por longos minutos, seu pranto sentido desaguou como chuva benfazeja, na época da invernia, no sertão, pensando as múltiplas cicatrizes de seu espírito alquebrado, fluindo, na ordem inversa, até o céu.

No seu sofrimento atroz, não pronunciara palavra alguma, nem tampouco balbuciara qualquer prece, quedando-se em profunda adoração ao Santíssimo.

E assim o fez!

Na verdade, nada precisava ser dito, pois o clamor de seu coração fora ouvido pelo Onipotente, que, na sua bondade infinita, enchera-se de compaixão por aquele pai sofrido, que, afinal, reencontrara, naquele momento amargo de sua vida, o caminho pontilhado de luz, começando a tecer, ali mesmo, o milagre que ele tanto buscava, assim como o fizera, séculos atrás, na mesma medida, com o servo do centurião romano, que demonstrara, ao procurá-LO, uma fé jamais vista em Israel.

Ao ousar levantar os olhos para o Crucificado, o pobre homem viu, assustado, que Jesus se desapregara da cruz, e que caminhava em sua direção, de braços abertos, sorridente, num gesto de amorosa acolhida, sentando-se ao seu lado.

Foi nesse instante, mudo de espanto, em êxtase, que ele ouviu um coro magnífico de anjos cantando "Gloria in Excelsis Deo", enquanto Cristo, serenamente, dirigindo-se ao altar-mor da nave, deixou-se- pregar no madeiro outra vez mais.

Ao sair dali, repleto de indizível felicidade, sentindo-se aliviado do peso do fardo que carregava, com a flor da esperança a desabrochar, nas profundezas do seu eu, ele teve o impulso de voltar imediatamente para casa.

E assim aconteceu!

Ao aproximar-se do seu barraco, sua mulher, avistando- de longe, correu ao seu encontro, ansiando por um abraço afetuoso, desmanchando-se em lágrimas de gratidão.

E ela contou-lhe como milagrosamente a febre do garoto passara, a tosse cessara, com o rosto do pequenino ganhando cor, deixando-a muito feliz.

E ele falou-lhe da súplica silenciosa que fizera ao Senhor, pela cura do filho amado, e de como se sentira acolhido pela grandiosidade da misericórdia divina.

E, amparados na simplicidade do amor conjugal, que tanto pode, espera, e suporta, renderam graças ao Divino Mestre por tanto bem a eles semeado.

*Professor e Escritor Camocinense