sábado, 4 de maio de 2024

O FIM DO MUNDO

 Por Inácio Santos* 

Até que para ser o fatídico dia em que o mundo iria se acabar, aquele começou muito bem. O sol nasceu na mesma hora, brilhando com o mesmo esplendor de sempre.

- Ora, disseram nos jornais que aqui para nós não haveria escuridão, só lá para as bandas da Europa... Bem! O eclipse este sim, era tido como certo, mas... E o fim do mundo, vaticinado pelo tão famigerado Nostradamus, um Profeta tinhoso que cismou de adivinhar, e, diga-se de passagem, com grande margem de acertos. Aconteceria ou não!?? Ora, pois não se falava em outra coisa. Nos programas da TV, rádios, jornais, bares, igrejas, bodegas, esquinas, conversas de comadres etc...

Uns afirmavam que sim, outros que não. Á proporção que as horas iam passando, nada acontecia de anormal. Pairava no ar uma grande expectativa. Era como se nosso planeta fosse um barril de pólvora prestes a explodir. A prolixidade dos comentários confirmava:

_Dizem que o sol é que vai explodir, e aí a terra também explode, alguém falava.

_Que sol, que nada! A lua é que vai se chocar com a terra, outro rebatia.

_Nem o sol nem a lua, ouvi falar que um tal de cometa, não sei que nome, é que vai chocar-se com nosso planeta e acabar com tudo, detonava um terceiro.

O certo é que o mundo se acabaria. O que menos importava era a maneira.

E não é que de repente, o sol começou a escurecer, e o céu que até então estava limpo e sem nuvens, estranhamente ficou nublado, carregado com nuvens negras, como se fosse haver uma tempestade. Se isso já não fosse o bastante para causar assombro ao populacho, surgiram raios e trovões no horizonte. O pânico instala-se: As pessoas abestalhadas parecem não acreditar no que vêem seus próprios olhos; até mesmo os mais incrédulos começam a temer, e como baratas tontas, ficam andando a esmo pelas ruas.

Os comentários, agora, são unânimes:

_Bem que eu disse! _ alguém falou.

_Eu também falei. Ninguém acreditou! Retrucou outro.

_Valha-me Deus e nossa Senhora! Imploravam os beatos e corolas.

As ruas ficaram apinhadas de pessoas, que procuravam ficar perto uma das outras. Lugares como: Mercado, Colégios, eram pontos nervosos onde uma grande massa humana reunia-se para disfarçar o pavor, procurar apoio coletivo e, ao mesmo tempo, tecer comentários. Outros corriam para suas casas para ficar perto dos entes queridos.

A cidade havia-se tornado um verdadeiro pandemônio, em detrimento a tudo isso o tempo piorava. Agora já era como se fosse noite. O astro rei deixara de emitir sua luz secular durante pleno dia. Nuvens negras e ameaçadoras cobriam totalmente o horizonte, acompanhadas com tétrico crepitar de raios e trovões. Para completar o caos, faltou energia.

O medo das pessoas era cada vez maior. Um verdadeiro horror era o que todos sentiam.

E os comentários triplicavam:

_Tragam as velas, bem que eu falei, ainda bem que mandei benzer um maço delas.

Foi um verdadeiro Deus-nos-acuda a procura de velas bentas, que eram disputadas a tapa, se preciso, pois só estas preciosidades é que tinham o poder de clarear.

As notícias corriam como rastilho de pólvora. Não se sabia ao certo quem era o autor, também não havia tempo para tal. Alguém falou que as igrejas e cemitérios eram lugares santos, e quem lá estivesse nada sofreria. Isto foi o bastante para uma multidão ensandecida invadi-los, pisoteando-se, disputando cada milímetro dos referidos locais. Andando-se pelas ruas, ouviam-se gritos, lamentações, orações, pedidos de perdão. Inimigos de longas datas perdoavam-se naturalmente. 

As mais absurdas confissões eram escutadas. Mulheres confessavam suas traições aos maridos, os maridos, por sua vez, faziam semelhantes confissões, todos se perdoavam. Súplicas, pedidos de clemência e misericórdia divina misturavam-se ao choro e ás imprecações.

Uma histeria catastrófica tomou conta da cidade, enquanto isso, o tempo só piorava, e a escuridão reinava absoluta. Agora não restavam mais dúvidas, todos tínham a certeza e a convicção de que o nosso velho mundo chegara ao fim.

E eu vagava na escuridão das ruas, nas praças, passando pelas igrejas, cemitérios, vendo e sentindo a pulsação ululante do pânico que tomava conta das pessoas; totalmente inapto, mudo, pois a voz não saía; E sem nada poder fazer, a não ser chorar; Lívido e hirto de horror e medo, suando em bicas.

Eis que, de repente, fui sobressaltado por um forte abalo e, para o meu alívio, e com certeza para o resto do mundo, acordei. Olhei para o relógio, faltavam quinze minutos para as seis da manhã do dia onze de agosto de 1999. 

Liguei a televisão, na tela do aparelho a rede de notícias CNN mostrava para todo o planeta, filmado por sob as nuvens, a bordo de um avião, a belíssima imagem do eclipse total do sol, que encoberto pela lua, deixava visível apenas a sua real coroa. O último do milênio. Ufa! Tudo fora apenas um sonho. Ainda não foi desta vez que o velho mundo acabou.

*Radialista, Compositor, Escritor e ex-Presidente da Academia de Ciências, Artes e Letras de Camocim