Por José Maria Trévia (Escritor Camocinense)
Era assim que acontecia o início das transmissões daquele serviço de alto-falantes, rodando os inesquecíveis discos de cera de 78 rotações, quando vivíamos os áureos anos da década de 50.
E, para concluir formalmente a abertura, o locutor informava a data, o Santo do dia, a fase da lua, o pensamento do dia e identificava os que ali trabalhavam: “Ao microfone, Olímpio Magalhães; no controle de som, Ieda Alves”.
O dobrado arrojava-se, novamente, no vazio do início da noite, trazendo lembranças dos grandes momentos cívicos, vividos no passado de minha cidade praiana.
Estavam, portanto, abertas as cortinas, para que se apresentassem, no imenso palco etéreo da cidade, os famosos intérpretes musicais da época, dentre os quais saudosamente relembro Orlando Silva, Sílvio Caldas, Dalva de Oliveira, Augusto Calheiros, Carlos Galhardo e Ângela Maria, sem desmerecer outros monstros sagrados de nossa velha guarda.
Inaugurado em 15 de novembro de 1951, o Serviço de Alto-Falantes, A Voz de Camocim, teve como primeiro Diretor o Sr. Sebastião Lins, funcionário do então Departamento de Correios e Telégrafos, acumulando, também, a função de locutor.
Entretanto, com a saúde debilitada, logo o serviço de locução foi entregue a Olímpio Medeiros Magalhães, que permaneceria, por mais de uma década, diante daquele microfone.
Posteriormente, Sebastião Lins passaria a Direção da Amplificadora ao Sr. Eloy Carvalho Lima, funcionário da então Mesa de Rendas Alfandegárias, até que a direção da casa foi entregue ao também funcionário da Mesa de Rendas, Sr. Vicente Valdécio Moreira.
No início da década de 60, A Voz de Camocim sofreu uma de suas fases de arrefecimento, com defeitos técnicos que o levaram a um período de silêncio, entristecendo a cidade, que se habituara a ouvir melodias, oferecidas pelas conhecidas mensagens, tão identificadas com os nossos valores provincianos.
Posteriormente, A Voz de Camocim teve seus aparelhos eletrônicos recuperados e preparava-se para voltar ao ar, exatamente quando eu chegava à minha juventude e fazia parte do círculo de amizades de Agostinho Soeiro Queiroz, a quem foi entregue a responsabilidade pela nova fase da querida irradiadora.
Foi, nessas circunstâncias, que tive o meu primeiro contato com o microfone e criei afinidade pelo instrumento, que não me profissionalizou, mas me proporcionou muitas alegrias e me abriu portas para inúmeras amizades e descobertas.
Fiz parte de um pequeno grupo que ali laborou, embora amadoristicamente, buscando integrar-se com a comunicação de massa através de um serviço de alto-falantes, o único tipo de veículo de informação local que existia em nossa cidade.
Compunham, também, a equipe de aprendizes os sempre lembrados Agostinho Queiroz, Cleilson Dantas, Severiano Carvalho e Francisco Campos, com quem convivemos em outras fases marcantes de nossa juventude.
Éramos aprendizes, sem instrutores, aprendendo com nossos erros e criando os nossos próprios estilos, livres pela ousadia e ao mesmo tempo restritos aos limites impostos pelas condições de recursos escassos.
As transmissões cobriam boa parte da cidade, e as bocas de amplificação se encontravam instaladas encimando um armazém do cais, próximo à estação ferroviária; outra, no prédio da Prefeitura Municipal; e uma terceira, na Loja O Gato Preto, na Praça Pinto Martins.
O estúdio da irradiadora estava situado na Praça da Estação, num prédio relativamente simples, que possuía duas portas frontais, dando acesso a um salão, que oferecia, nos seus dois lados, estruturas compactas de cimento, acompanhando, longitudinalmente, as paredes laterais, com altura adequada para servir de assento aos freqüentadores que ali se deleitavam.
Ao fundo, ficava o estúdio, propriamente dito, com três pequenas janelas, fazendo as vezes de um guichê, sendo duas delas bastante estreitas, de vidro fixo, e, entre essas, uma terceira janela mais larga, com sua parte superior arqueada e toda feita de madeira, que se abria em duas metades e por onde era feito o atendimento aos interessados por anúncio, música ou comunicação.
Por dois cruzeiros, poderia ser executada uma música, acompanhada de mensagem, que variava de estilo, segundo os objetivos do oferente.
Muitas dessas mensagens, por suas características inusitadas, fizeram história e se consagraram como verdadeiras peças do folclore interiorano.
A Voz de Camocim teve o seu apogeu também ligado às vibrantes campanhas políticas, nos anos 50 e 60, quando o Partido Social Democrático, liderado pelo ilustre Deputado Murilo Rocha Aguiar, venceu todas as eleições, disputadas naquelas duas décadas.
Depois de décadas de atividades, vencendo percalços e comemorando vitórias, o Serviço de Alto-Falantes, A Voz de Camocim, chegou ao final de sua trajetória.
O seu aparelho amplificador, que mais parecia um armário de aço, pontilhado de botões pretos e interruptores metálicos, tomou um destino ignorado.
Os ponteiros, que oscilavam diante de complexas escalas, indicando as condições de sua diástole e de sua sístole, foram paralisados pela fragilidade da válvula eletrônica do seu coração; seus “fios-artérias” já não conduziam, devidamente, a energia necessária e, sem as funções essenciais, o velho corpo de ferro arrefeceu e suas bocas silenciaram para sempre.
Entretanto, o seu nome ficou ligado à história de Camocim, ao seu povo e às suas lembranças, à cultura e ao romantismo da época, à política e aos grandes movimentos sociais.
Texto extraído do livro "Uma Janela para o Passado"