Por Avelar Santos*
Das janelas do comboio ferroviário, na emocionante descida da rampa do Muquém, no distrito de Juá, Quixadá-CE, do lado leste, na saída de uma curva sinuosa, próximo a um boqueirão, cujas águas deslizavam ligeiras, pelos baixios, na invernia, divisava-se uma casa de pedra, de tosca arquitetura, protegida de ventos e tempestades, cuja desolada solidão calava fundo a alma.
E este ritual sagrado, misto de bem-querer e fantasia, repetido infinitas vezes, proporcionava ao garoto uma felicidade tamanha, no pequeno mundo de sua franciscana pobreza, levando-o muitas vezes às lágrimas, quando, por motivos desconhecidos, o trem atrasava.
Nessas ocasiões, com o coraçãozinho confrangido por um aperto que não sabia ao certo explicar, não se cansava de perguntar, à sua mãe, se ele voltaria de novo a embelezar o brilho das manhãs.
Na simplicidade do devotado amor que ela sentia pelo filho caçula, cuja luz clareava como o sol qualquer escuridão, seu rosto iluminava-se com um sorriso, ao dizer, à criança, enquanto afagava meigamente os seus cabelos, que não chorasse mais, por que iria acordar ouvindo seus apitos ao alvorecer.
Como num passe de mágica, ao escutar essas doces palavras, o garoto começava a engolir o doído pranto, acalmando-se, aos poucos, indo deitar-se, acariciado por velhas canções de ninar, sonhando como o mundo era belo.
E os anos correram tão velozes!
Da casa de pedra, outrora uma fortaleza inexpugnável, cheia de de vozes, de vida, que, na singeleza de suas paredes, suportou, com rara altivez, a cruz do destino, junto com a pobre família, tudo agora é silêncio.
Nada mais restou dos dias ensolarados!
Para sempre, o canto da mãe emudeceu!
Febricitantes, após o rouxinol deixar o ninho, um a um os irmãos rumaram para outras plagas!
Por fim, ele também se deu conta que era chegado o momento da partida, que não podia mais ficar, ali, ouvindo apenas os murmúrios da mocidade distante.
Da locomotiva a diesel, naquele fim de tarde, o maquinista espraia a vista pelo horizonte.
Está pensativo! Sem notar direito, percebe que a noite chegara de mansinho!
Com os faróis varrendo as trevas dos caminhos, o trem arremete, ganhando velocidade, passada a derradeira curva do Muquém.
Nisso, o homem parece ver um menino, ao lado de sua mamãe, na soleira da porta de seu antigo lar, acenando para ele.
E os apitos nostálgicos do trem reverberam pelas encostas!
E uma dor agoniada lhe percorre o peito, ao recordar, num instante, tantas coisas do passado, da meninice, fazendo-o chorar de saudade daquilo que pensava nunca teria fim!
*Professor e Escritor Camocinense