Vejo, com profunda tristeza, a tradição junina do nosso Nordeste sendo apagada, pouco a pouco, como se fosse um detalhe sem valor na paisagem cultural do Brasil.
O chapéu de Gonzagão está sumindo. As vestes que sempre identificaram o sertanejo — com sua simplicidade, dignidade e força — estão sendo trocadas por roupas que nada têm a ver com o que somos. O São João está perdendo sua alma.
As bandeirolas coloridas já não enfeitam mais as ruas como antes. As crianças já não vibram com a chegada do mês de junho, como eu vibrei um dia.
Antes, era uma ansiedade bonita: esperar pelos chuveirinhos, os traques, os chumbinhos…
Era ver os céus se iluminando com os fogos, sentir o cheiro das fogueiras, das comidas típicas, ouvir o som da sanfona na calçada, reunir a família em torno da tradição.
Hoje, tudo isso parece virar lembrança.
A grande preocupação está na descaracterização: ritmos alheios à cultura nordestina estão ocupando os maiores palcos juninos. Os verdadeiros forrozeiros estão sendo colocados como “complementos” nas programações, como se fossem peças do passado — quando, na verdade, são a alma do nosso presente.
As obras de Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Osvaldinho, Sivuca, Dominguinhos e tantos outros, estão sendo deixadas de lado, e pior, com o apoio de quem deveria proteger a cultura, como muitos gestores públicos que, por medo de perder popularidade, embarcam na onda do modismo e do esvaziamento cultural.
A sanfona, que chegou ao Nordeste com os soldados que lutaram guerras reais e guerras simbólicas pela nossa identidade, hoje silencia diante da guerra invisível que estamos perdendo: a da memória e da cultura.
É doloroso pensar no que vamos deixar para os nossos netos e bisnetos.
Um São João vazio de sentido? Uma festa sem raízes? Estamos jogando fora tudo aquilo que nossos antecessores construíram com suor, poesia e arte.
O Nordeste é rico, é forte, é música, é tradição, mas se não reagirmos, seremos um povo sem cultura. E um povo sem cultura é um povo sem história.