De fato, aquela era a data para que o último trem deixasse - em definitivo - a gare de Camocim.
A partir daquele momento, não haveria mais retorno!
A Estrada de Ferro de Sobral, construído por determinação do grande Imperador D. Pedro II, que era a própria história viva de nossa cidade, sendo uma de suas maiores glórias, acabara de receber dolorosa e cruelmente a última pá de areia, posto que enterrado vivo em virtude de um equivocado decreto presidencial, cujo Ministro dos Transportes, Cel. Mário Andreazza, nada entendia de trem.
A alta cúpula da R V C simplesmente acatou, de modo covarde e frio, aquela ordem absurda, lavando as mãos naquele lamentável acontecimento.
Toda esta urdidura de teia diabólica foi fruto de um monstruoso lobby das multinacionais do petróleo, que se opunham ao trem, por este ser econômico, contrapondo-se aos seus mesquinhos interesses em vender, mais e mais, no nosso país, o ouro negro e seus produtos derivados, multiplicados aos bilhões.
Além, é claro, supomos, da corrupção e do aliciamento de autoridades, realizado despudoradamente por este pool de empresas.
O Ramal, segundo levantamentos governamentais, não dava lucros. Portanto, não havia motivos para continuar.
Como estavam errados tais dirigentes!
O Ramal não era apenas, um ponto de apoio para o comércio - e viajantes habituais. Ele era vital! Não só para a Economia! Tudo girava ao seu redor.
Como podiam, pois, numa fria decisão, extingui-lo de vez? Será que as pessoas humildes entraram no balanço geral realizado pela Rede como fator desestimulador?
Claro que não!
Afinal, no Brasil, os pobres possuem certa influência só em períodos eleitorais.
Desse modo, com o povo camocinense chorando, nas ruas circunvizinhas, e, dentro da velha Estação, partiu, em 16 de março de 1977, o último comboio com destino à capital.
Até as velhas Oficinas foram desativadas.
Aliás, a sentença de morte do Ramal deu-se com o seu esvaziamento progressivo ao longo dos anos.
Ainda posso ouvir o triste lamento do último trem!
O seu apito era um grito agudo de dor, de lancinante estertor final de moribundo próximo à campa, que teima, pobrezinho, em não querer partir, ecoando, forte, nos meus tímpanos, e ressoando, lúgubre, nas profundezas da alma.
*Professor e Escritor Camocinense