quarta-feira, 23 de julho de 2014

SOBRE CAMOCIM... PAPAGAIOS E MACACOS

Num tempo em que a preocupação com os animais não era tanta e os espécimes da fauna, assim como da flora, abundavam por aqui, estabeleceu-se um comércio de aves entre nativos e piratas estrangeiros tão eficaz que não à toa o território que um dia viria a ser chamado de Brasil era conhecido como a Terra dos Papagaios. Dessa forma, os franceses fizeram do nosso Rio da Cruz uma rota certa para buscá-los na Serra da Ibiapaba. Depois, o tráfico se especializou em comprar peles de tudo quanto era animal de couro o que provocou uma diminuição estrondosa em nossos espécimes silvestres.
Mas, voltando aos nossos papagaios, araras e periquitos e outros entes da família, muitos jovens em Camocim no começo do século ganhavam a vida subindo ao convés dos navios para vender aos marinheiros estrangeiros nossos pássaros multicores. Isso nos faz lembrar de uma crônica do livro "Adolescência na Selva", do Camocinense Souza Lima. Ele conta que no começo do século XX, por volta de 1914 uma professora local possuía um papagaio muito falador, especialista em dizer palavrões para as visitas que chegavam em sua casa, fato este que a deixava muito constrangida. Chegando um navio inglês para carregar de algodão ela não pensou duas vezes: iria vender, ao primeiro marinheiro que passasse, o papagaio pornográfico. Reproduzo as palavras do autor:
"No dia seguinte uns marinheiros ingleses passavam comprando periquitos e papagaios. Dona Tetê que já havia amarrado o seu fez um aceno para um dos homens louros, já meio embriagado. [...} Ele puxou uma cédula de dez mil-réis, ofereceu-a pelo papagaio. Ela prontamente aceitou. Entregou ao marinheiro o seu louro, mas com os olhos marejados de lágrimas. E passando a mão já murcha pela cabeça do papagaio, como último adeus, disse:
- Vai meu louro... Vai para as estranjas...
E o papagaio, virando a cabeça de um lado para o outro:
- Estranja é uma porra, Tetê...
Saindo da literatura e passando para a lembrança de um depoente que viveu estes tempos, o Sr. Euclides Negreiros, que em 2007 tinha 90 anos nos relata sobre este comércio de animais, afirmando ser este um dos expedientes que usava para ganhar algum dinheiro, embora os animais vendidos por ele fossem pequenos macacos: "Quando eu era menino subia nos navios para vender laranjas e soins para os marinheiros ingleses [...] eu pegava os macaquinhos, dava de comer e amansava para vender a eles". Não à toa, nossa imagem entre os países vizinhos e os europeus ainda é muita associada com a macacada, ajudada pela ignorância deles sobre nossa Terra Brasilis.
Carlos Augusto Pereira dos Santos
Historiador
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