domingo, 7 de março de 2021

"AULD MUG", BRIGA DE CACHORRO GRANDE.

Por Adauto Gouveia Motta Júnior 
As competições esportivas da antiguidade, outrora, no mundo grego, eventos que enalteciam a condição atlética ou a habilidade dos participantes com alguns instrumentos; e que geravam heróis olímpicos, assim louvados por toda as suas vidas; e que paralisavam guerras e disputas durante a realização dos jogos, realizados consecutivamente durante 1300 anos, ficaram praticamente suspensas à partir do Século V, até que o Barão Pierre de Coubertin as fizesse renascer, em 1896, com as Olímpiadas da Era Moderna.

Contudo, quase meio século antes que as piras olímpicas voltassem a flamejar, John Cox Stevens, um dos fundadores do, hoje renomadíssimo, New York Yacht Club (NYYC), construiu um iate com a finalidade de disputar regatas na Inglaterra, à época a “Meca” do iatismo mundial. Seu barco, uma escuna de 101 pés (30,78 metros) de comprimento, foi batizada de “América” e em 1851 disputou a célebre regata anual do Royal Yacht Squadron, na Volta da Ilha de Wight, localizada ao sul de Southampton, num percurso de 53 milhas náuticas. 

Concorreu contra 15 embarcações locais e chegou à frente dos seus rivais com 8 minutos de diferença, causando espanto aos atônitos bretões; inclusive à própria Rainha Vitória, que testemunhou a linha de chegada e, pasma, indagou quem teria sido o segundo colocado. A famosa resposta que lhe deram bem denota a indignação com a humilhante derrota: “Ah, Sua Majestade, não há segundo!”

Cox voltou para a casa com o troféu de prata esterlina em forma de jarro, originalmente conhecido como “RYS £ 100 Cup” (tempos depois, Copa da Rainha), numa referência à sua forma e valor nominal, a “xícara de 100 pounds britânicos”, sem saber que aquela taça se tornaria a mais cobiçada do planeta, o “Cálice Sagrado do Iatismo”.

Como de fato, os inconformados ingleses, logo desafiaram o clube opositor, naquela que se tornou a competição esportiva internacional mais antiga da história e passou a ser conhecida como America’s Cup.
O New York Yacht Club defendeu a taça por 24 edições, somente perdendo-a em 1983, para o Royal Perth Yacht Club, com o seu legendário “Australia II”. A permanência do time americano com a copa por 132 anos é a mais longa sequência de vitórias na história entre todos os esportes.

Durante este quase século e meio de domínio absoluto, clubes náuticos de todos os principais centros de iatismo do mundo fizeram de tudo para amealhar aquele símbolo, aplicando enormes quantias monetárias para conseguir o intento. Isto porque participar do certame demanda um investimento considerável e o evento, que tem periodicidade variável conforme os desafios e duração de alguns poucos dias, chega a ter um custo total de mais de US$ 1 bilhão. 
Tem orçamento superior a uma temporada inteira e de todas as equipes da Formula 1 juntas, por exemplo. Isto porque seus participantes ou patrocinadores estão entre os homens ou corporações mais influentes e endinheirados do planeta.

Muitos dos mais avançados e tecnológicos materiais, hoje empregados na indústria automotiva, da aviação ou na exploração espacial, como o Kevlar, fibra sintética empregada nas estruturas ou o Mylar, resistente película de poliéster utilizada nas velas, entre outros tantos, foram desenvolvidos à partir da necessidade que as embarcações desta competição têm de equipamentos resistentes, leves, maleáveis e flexíveis. O privilégio de uns poucos pode inferir no cotidiano de toda a coletividade. Um “plus ultra” que o esporte de ponta proporciona para a humanidade.

Durante as muitas edições da America’s Cup ao longo deste largo tempo de existência, o formato das embarcações, o número delas, as regras de admissão e de regatas, de participantes e locais de realização, foram se modificando. A peleja é tão acirrada que já existiram batalhas judiciais para dirimir sobre direitos reclamados ou resultados e as mais altas cortes do Mundo já se intrometeram em reivindicações, das mais variadas ordens, sobre os certames. Normal, numa atividade onde há muito capital e prestígio envolvidos.

Atualmente os veleiros participantes são monocascos da Classe AC75, dotados de foils, estruturas basculantes que os permitem planar, ao descolar o casco da água. O resultado é uma velocidade inimaginável até pouco tempo atrás para barcos a vela: mais de cinquenta nós (knots) ou milhas náuticas por hora.

Os foils (ou hidrofoils) foram utilizados pela primeira vez no pós guerra, nas grandes lanchas que faziam a travessia do Canal da Mancha. Hoje plenamente difundidos, são usados em praticamente tudo que se movimenta sobre as águas. Desde barcos de enormes deslocamentos, até as mais leves pranchas utilizadas para a prática do Kitesurf.

Como o número de desafiantes é alto, faz-se uma seletiva, normalmente na mesma raia onde serão disputadas as regatas oficiais. O sistema é o match race, ou seja, disputa de corridas entre dois competidores entre si, de cada vez.
A seletiva deste ano, a Copa Prada, foi ganha pelo time italiano, o Luna Rossa Prada Pirelli Team e as regatas aconteceram em Auckland, na Nova Zelândia, com finais do campeonato programadas entre os dias 10 e 15 de março de 2021. Haverá prévias já no dia 06 de março.

O desafiante enfrentará o dono da casa, o Emirates Team New Zealand, representante do atual detentor e defensor da taça, o Royal New Zealand Yacht Squadron.
O vencedor será aquele que primeiro conseguir cruzar a linha de chegada por sete vezes na frente. Haverá, portanto, no mínimo sete regatas.
Pode-se acompanhar o evento ao vivo em vários canais disponibilizados, inclusive o oficial, em https://www.americascup.com/
Emocione-se!