domingo, 14 de março de 2021

BARCOS COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO

Por Adauto Gouveia Motta Júnior 
Excetuando o ar que respiramos, nada é mais vital para a manutenção da vida do que a água. Mesmo os nossos corpos são compostos por 70% dela.
Elemento essencial, primordial, insubstituível.
Não à toa, o contato com ela é tão importante para a saúde. Inclusive a mental.

Isto talvez explique a razão dos esportes náuticos serem tão salutares e apaixonantes.
Aqueles que os experimentam, tornam-se adeptos, na sua quase totalidade.
Mesmo os aversos às suas permanências embarcados, jamais esquecem das suas experiências vivenciadas.

Dentro deste excepcional universo, as modalidades à vela se destacam, pela salubridade.
O íntimo contato com os elementos naturais, suas propulsões limpas e silenciosas, os necessários conhecimentos dos ventos, das marés, das correntes, da ciência meteorológica, faz do praticante parte integrante da natureza. Sabedor de que o resultado da sua expertise é que o torna capaz de lograr seu próprio destino.
Como bem disse Câmara Cascudo, “as quilhas não deixam vestígios das suas passagens; o navegador tem sempre a sensação do pioneirismo”. Nada mais verdadeiro!

Imagine, então, os benefícios desta atividade na formação do caráter dos jovens.
Petizes que se aventuram mar adentro tornam-se autônomos com muito mais facilidade.
Quando imbuídos dos princípios da marinharia, conscientizam-se que dependem somente deles mesmos. Uma vez lá dentro, responsáveis pelas suas ações e longe do alvitre de terceiros, sem poderem contar com os quase sempre recorrentes pedidos de socorros aos pais ou familiares, é eles por eles.

Aprendem a discernir aquilo que lhes sejam, realmente, fundamentais, daquelas excrescências mundanas supérfluas que nada acrescentam às nossas existências; que nos confundem com seus tolos acúmulos e que a nada nos levam. Platão definiu com propriedade: “Há três tipos de pessoas: os vivos, os mortos e os que vão para o Mar”.
Particularmente, costumo recomendar aos meus amigos: dispensem seus analistas e vão velejar!

Existe uma gama bem diversificada nos tipos de embarcações para os que pretendem se aventurar neste extasiante mundo.
Os monotipos, classes de barcos com feições similares aos seus pares, em geral construídos através dos mesmos planos, oferecem particularidades localizadas, a partir dos propósitos de cada projeto: capacidade de deslocamento, número de tripulantes, velocidade obtida, alcance de movimento, entre outros. Cada qual com características e qualidades próprias.
Há barcos para se baloiçar à toa em lagoas de tranquilidade; ou para se singrar os Sete Mares e se circum-navegar o Planeta.

Para as crianças iniciantes existe uma classe estabelecida mundialmente, a “Opmist” (Otimista, em português), regulada pela IODA (International Opmist Dinghy Association), fundada em 1965. É o barco-escola da maioria dos atuais velejadores.
São barcos de porte minúsculo, originalmente de madeira e hoje, também, fibra de vidro, para jovens de 7 a 15 anos, com limites de 25 a 60 quilos e que podem ser construídos amadoristicamente. Utilizam velas de espicha com 3,25 m², com uma espécie de mastaréu, um pau diagonal armando-as. Medem somente 2,34 metros.

No início, ainda nos 40’s do século passado, estes barquinhos nada mais eram do que caixões com velas improvisadas, com que a garotada de Clearwater, na Flórida, utilizava para disputar suas regatas. Levado para a Europa, logo tornou-se classe mundial. No Brasil, a OPTIBRA coordena os trabalhos da classe, com campeonatos regionais em vários estados e um campeonato nacional já tradicional, bastante concorrido e de grande importância para a vela nacional, o terceiro esporte com mais medalhas olímpicas do Brasil.

Há vários projetos nacionais de formação de iatistas. Na verdade, e, principalmente, de formação de cidadãos, cientes das suas realidades e das condições dos seus entornos. Protetores dos seus ambientes, escoteiro dos seus mares.
O mais famoso deles é o Projeto Grael, uma ONG fundada em 1998 por uma tradicional família de velejadores (https://www.projetograel.org.br/) e instalado em Niterói, RJ. Mantêm programas esportivos, profissionalizantes e ambientais, voltados essencialmente às crianças de baixa renda, tendo já formado milhares de participantes.

Camocim mais que merece uma instituição nos mesmos moldes e que pudesse, de uma tacada só, formar regatistas, profissionais de diversas atividades relacionadas à área e ferrenhos agentes protetores do seu meio ambiente e das suas tão menosprezadas, sensíveis e ameaçadas águas.
Pessoas audazes, ousadas, resolutas.
Qualidade daqueles que respeitam a magnitude dos agentes que os cercam; mas que não receiam enfrentá-los.
A intrepidez típica dos navegadores.
Mesmo porque, como sentenciou Públio Siro, “fagulhas não assustam filhos de ferreiros”.