domingo, 3 de outubro de 2021

"A CASA DE PEDRA", POR AVELAR SANTOS

No tempo em que a Maria Fumaça percorria, sem pressa, as trilhas do sertão, levando alegria por onde passava, um menino postava-se à soleira da porta de sua humilde morada, somente para vê-la passar, apitando em silvos longos, melódicos, acordando os bosques, cuja passarada, ao longe, revoava em bandos.

Das janelas do comboio ferroviário, na emocionante descida da rampa do Muquém, no distrito de Juá, Quixadá-CE, do lado leste, na saída de uma curva sinuosa, próximo a um boqueirão, cujas águas deslizavam ligeiras, pelos baixios, na invernia, divisava-se uma casa de pedra, de tosca arquitetura, protegida de ventos e tempestades, cuja desolada solidão calava fundo a alma.

E este ritual sagrado, misto de bem-querer e fantasia, repetido infinitas vezes, proporcionava ao garoto uma felicidade tamanha, no pequeno mundo de sua franciscana pobreza, levando-o muitas vezes às lágrimas, quando, por motivos desconhecidos, o trem atrasava.

Nessas ocasiões, com o coraçãozinho confrangido por um aperto que não sabia ao certo explicar, não se cansava de perguntar, à sua mãe, se ele voltaria de novo a embelezar o brilho das manhãs.

Na simplicidade do devotado amor que ela sentia pelo filho caçula, cuja luz clareava como o sol qualquer escuridão, seu rosto iluminava-se com um sorriso, ao dizer, à criança, enquanto afagava meigamente os seus cabelos, que não chorasse mais, por que iria acordar ouvindo seus apitos ao alvorecer.

Como num passe de mágica, ao escutar essas doces palavras, o garoto começava a engolir o doído pranto, acalmando-se, aos poucos, indo deitar-se, acariciado por velhas canções de ninar, sonhando como o mundo era belo.

E os anos correram tão velozes!

Da casa de pedra, outrora uma fortaleza inexpugnável, cheia de de vozes, de vida, que, na singeleza de suas paredes, suportou, com rara altivez, a cruz do destino, junto com a pobre família, tudo agora é silêncio.

Nada mais restou dos dias ensolarados!

Para sempre, o canto da mãe emudeceu!

Febricitantes, após o rouxinol deixar o ninho, um a um os irmãos rumaram para outras plagas!

Por fim, ele também se deu conta que era chegado o momento da partida, que não podia mais ficar, ali, ouvindo apenas os murmúrios da mocidade distante.

Da locomotiva a diesel, naquele fim de tarde, o maquinista espraia a vista pelo horizonte.

Está pensativo! Sem notar direito, percebe que a noite chegara de mansinho!

Com os faróis varrendo as trevas dos caminhos, o trem arremete, ganhando velocidade, passada a derradeira curva do Muquém.

Nisso, o homem parece ver um menino, ao lado de sua mamãe, na soleira da porta de seu antigo lar, acenando para ele.

E os apitos nostálgicos do trem reverberam pelas encostas!

E uma dor agoniada lhe percorre o peito, ao recordar, num instante, tantas coisas do passado, da meninice, fazendo-o chorar de saudade daquilo que pensava nunca teria fim!

Avelar Santos (Professor e Escritor)
Foto: Jairla Nogueira