domingo, 17 de outubro de 2021

"O HOMEM DO TERNO BRANCO", POR AVELAR SANTOS

Quando o vapor inglês zarpou, rumando para o sul, naquela madrugada fria, deixou para trás, em terras tremembés, um súdito da realeza britânica. Nunca se soube ao certo por que Mr. Cartwright resolvera ficar na cidade. Muitos achavam que era um espião!

Inteligente, logo aprendeu o idioma lusitano, montando, em seguida, um escritório de representação comercial.

Bem apessoado,  carismático, não demorou muito para adentrar os salões burgueses, que lhe abriam as portas com a regularidade do caminhar das estrelas pelo céu. 

Foi num desses saraus que veio a conhecer D. Alda, rica viúva, radiante flor do campo que começava a murchar no jardim da vida.

Cedo casaram-se, indo ele morar, doravante, no suntuoso palacete, que um dia fora do Coronel Ribeiro Neves. Com o passar dos anos, a lava do vulcão da paixão esfriou, enquanto o carcará do tédio voava ligeiro pelos ares.

Nisso, Mr. Cartwright, ávido por um sopro de alegria, andava sempre às voltas com um rabo de saia, buscando  consolo nos braços de outras damas.

Por esse tempo, usava terno de linho branco, para ir à orgia, não consultando sequer uma vez o relógio de algibeira para ver o adiantado das horas.

De cabelos bem penteados com brilhantina Glostora, levava ainda consigo, de volta ao lar, sem quaisquer receios, o perfume barato das quengas do cais.

Amante da boemia, não se cansava nunca de fazer pequenas viagens de cabotagem às casas de lanternas vermelhas, que tingiam de  cor as noites de antanho.

Às sextas-feiras, ele era o primeiro a bater ponto, no Veleiro, onde a mulherada de batom vermelho reinava absoluta no ritmo vibrante da gafieira.

E os dias corriam felizes até Mr. Cartwright  engraçar-se pela mulher do Chico telegrafista, uma mulata alta, curvilínea, dessas de  abrir quarteirão ao passar.

Privando da amizade do casal, o gringo foi se fazendo de casa, não conseguindo mais disfarçar o brilho da luxúria que chispava em  seus olhos loucos.

Aquilo não durou muito!

Certa feita, o marido da beldade, já desconfiado das gentilezas de Mr. Cartwright, convidou-o para uma pescaria num fim de semana.

Num sábado cinzento, com o sol teimando em não querer acordar, o Albatroz levantou voo do velho trapiche com os dois companheiros de aventura. No finzinho da tarde, ao retornar ao ninho, a canoa trazia um único ocupante debaixo de suas asas.

No relato ao delegado,   o discípulo de Morse dissera que ambos haviam bebido muito, não se dando conta quando Mr. Cartwright caíra ao mar. Na situação em que se encontrava, justificara ele, fingindo grande tristeza, nada pudera ser feito.

Avelar Santos (Professor e Escritor)