domingo, 23 de janeiro de 2022

"O ADEUS DO VELHO CAMOCIM", POR RAIMUNDO CAVALCANTE

Quando na madrugada de 15 de dezembro de 2004 cheguei na conhecida e deserta Rodoviária de Camocim, ainda tossia como sobra de resfriado que trouxe do Rio... A viagem Fortaleza — Camocim foi alegrada com o inesperado encontro dos Professores Mota e Carlos Augusto.

Logo mais, às 05:30h, eu já estava caminhando no calçadão e cumprimentava as primeiras pessoas com cordial “Bom dia”... Depois de meia hora, nas Barreiras, os clássicos três mergulhos: ao Pai, ao Filho e ao Santo Espírito, com a saudação ao Sol-Nascente e os agradecimentos pela VOLTA tão longamente sonhada...

Depois, no retorno ao pequeno apartamento da Rua José de Alencar, a passagem pelo Mercado: o inesquecível “chá-de-burro” do Enaldo foi saboreado sem pressa... E aos poucos tudo foi se encaixando: o doce “quebra-cabeça” começou a ser montado... velhos conhecidos foram sendo devagar identificados... o surpreendente tratamento de menino aqui e ali soava carinhoso aos meus ouvidos: “Oi, Raimundinho...”

A irmã Nazaré, o cunhado Artur, os inúmeros sobrinhos, todos muito afáveis...

Interessante: gente com a metade da minha idade e até menos chamando-me de “Raimundinho” com a maior intimidade, como velhos conhecidos... Muito gostoso... O Chico, da NOVA LOJA, foi um dos primeiros...; depois fui abraçar seu Pai, no Mercado, o bondoso “Chico Pané” (Francisco Fontenele Frota); o Gerardo Ricardo Pinto, o famoso REI DOS BOTÕES, ainda tentei visitar, como fizera outras vezes, mas não consegui vê-lo, deixando com a Maria José o meu abraço e um remédio que lhe trouxera do Rio... Tudo — antes tão distante no tempo — estava agora ao alcance das mãos, mas não raro apenas por fugazes instantes, como aqueles do almoço na antiga e imensa casa do Chico Pané, de porta e quatro janelas na Praça do Quadro Velho, hoje desfigurada por administradores que não souberam preservar tradições de nossa terra... Ali morei em duas casas diferentes nos últimos anos da década de 20 e no começo dos anos 30...

Fui aos poucos me deparando com “velhos” conhecidos: um dos primeiros foi o Colega Armando Quixadá, filho do Engenheiro Pereira, antigo Diretor da velha RVC, que residiu no Camocim de priscas eras; Armando é neto de minha saudosa e dileta amiga e cliente, a ilustre matriarca Noemi Monte Quixadá, dona de uma imensa área na Aldeota, de quem fui procurador até minha mudança para São Paulo em 1953. 

Eu era ligado à família Quixadá por fortes laços de amizade e também profissionais, pois acabei sendo, já no Rio, o testamenteiro e inventariante do seu tio, Antonico Quixadá, meu colega no Banco do Brasil e um amigo de quem jamais se pode esquecer, pela sua lealdade, sua franqueza e numerosas demonstrações de apreço.

Encontrei depois o Carlos Véras, o Maciel Louro, o Chico Serrote e seu irmão Raimundo (Olhão), o Cabo Velho, filho do último, além de outros amigos e conhecidos; alguns parentes, dentre eles meus primos Manezinho, Fransquinha, o Arnaldo dos Coqueiros e outros; o meu xará Raimundo Aragão, o Ozenar, a Socorro das MIL DICAS e o maridão; os Profs. Mota e Carlos Augusto; o dinâmico jornalista Denilson Siqueira, a Doquinha e suas irmãs, os dois Valdécios e o ASSIS, o grande apresentador da JANGADEIRO; e também meus confrades, os Acadêmicos José Rodrigues, Sotero e RPIRES — um petropolitano que assumiu Camocim e sozinho tem feito por nossa terra e adjacências mais, muito mais mesmo, do que vários camocinenses ingratos juntos, como eu, por exemplo... Os companheiros da AMA CAMOCIM foram para mim uma descoberta maravilhosa...

Contemporâneo de meninice, o Hindenburg, sempre alegre e muito gentil, alugou-me casa novinha que é um verdadeiro achado, pois me serve de morada e escritório, além de ter um belo quintal, que estou transformando devagar num miniéden. Depois descobri ou descobriram-me o Totó, o Zé Maria e seu irmão Fernando Vasconcelos, também companheiros do velho Banco do Brasil, em épocas distantes e diferentes... A Nelita, a Eduana, a Ana Maria, a Maura e outras amigas queridas, novas e antigas, foram aos poucos entrando no circuito e os contatos restabelecidos...

Um dos mais gratos reencontros levou-me à casa da ARANIZA PINTO, que acabou proporcionando longos telefonemas de Recife, de sua irmã IRACEMA, que foi minha colega na última escola que freqüentei em Camocim — a das Professoras Paula Hebréia e Paula Hévea, filhas do seu Camargo. Era ali na esquina da Senador Jaguaribe com a José de Alencar, no ano de 1935...

Em 2004 vim várias vezes à dourada Camocim, em caráter profissional. Numa delas, que durou duas semanas, conheci casal muito distinto: Conceição e João (Cantinho da Panelada, Mercado Central). Fiquei freguês do Cantinho e ali degustei caldos e amostras de panelada e sarapatel. Tornamo-nos amigos e num fim-de-semana eles me levaram pras AMARELAS. Tomei banho na lagoa, devorei cajus, mangas e me embebedei de excelente água-de-coco. 

No almoço uma galinha-à-cabidela... que deveria ter sido comida de joelhos... uma delícia que jamais esquecerei... tudo no agradável ambiente da imensa e alegre família que estava conhecendo e que aprendi a admirar...

Agora fiz novos conhecidos — gente jovem, como os funcionários do Fórum, dos Cartórios; proprietários ou empregados de lojas locais, que têm sido de grande valia na minha reintegração à vida da cidade... E até em Fortaleza, na OAB, tudo foi facilitado e a nova inscrição profissional concedida sem dificuldade. 

Os TAHIM — Wilson, José Olavo e Hélder foram inexcedíveis em dicas e orientações nas tantas coisas de que necessitei para minha instalação... Outros me deram informações muito úteis, como o conhecido Batista (Hildemar), a Cosma da farmácia, o Marco dos jornais e a Socorro do Rainha, por exemplo; e mais recentemente conheci o meu Colega Frank, filho do competente fotógrafo Pintor, que morava ali da Rua da Estação, pertinho dos Gouveia e do Menandro...

Enfim, comprovei sem favor nenhum que a gente de Camocim é realmente muito acolhedora e prestativa...

Mas a vida é uma caixa de surpresas: à alegria de hoje segue-se a dor, a tristeza, a saudade... Aconteceu logo com a partida do Gerardo, há um mês; e ontem com a do Chico Pané. Ambos na faixa dos oitenta, tal como eu. Aliás, na missa das nove horas deste domingo um cidadão sentado no banco atrás do meu tocou-me no ombro e perguntou minha idade. Disse de boca cheia: — OITENTA E UM... Ele, quase irônico, esnobou: — Estou com NOVENTA E TRÊS... E na fila da comunhão marchou desempenado para receber modernamente na mão a hóstia consagrada...

A verdade é que as coisas vão se acomodando... ajudadas pelas intensas chuvas, graças a Deus...

Enquanto isso, o velho Camocim vai aos poucos deixando o seu ADEUS...

Raimundo Silva Cavalcante (Advogado e Ex-Presidente da Academia Camocinense de Ciências, Artes e Letras ) Texto escrito em 11/04/2005