domingo, 6 de novembro de 2022

A BANDA DOS SAPATEIROS

Por Inácio Santos* 


Não foi a toa, que o nosso grande Chico Buarque, imortalizou-se na MPB, (música popular brasileira) quando aclamado em delírio pela multidão, em 1966, no festival de música brasileira, entoou os seguintes versos e acordes: “estava à toa na vida, o meu amor me chamou, pra ver a banda passar, cantando coisas de amor”. 

A famosa canção, intitulada “A Banda”, não só foi a campeã do festival, como ainda até hoje é cantada e identifica o autor, como um dos nossos monstros da MPB.

Chico Buarque, dentro de sua ótica intelectual, e, ao mesmo tempo, utilizando a letra de sua música num português coloquial, definiu com maestria genial, o que é realmente a Banda, ou seja, um grupo de músicos que reunidos, animam festejos, comemorações, e eventos diversos, tocando: dobrados, marchas, polcas, e outros ritmos alegres. 

O que é peculiar, e difere a banda de música, é o fato da equipe, ou seja, os músicos, deslocarem-se em formação indiana: dois por dois, três por três, dependendo do número de participantes, pelas ruas, acompanhando procissões, blocos, fanfarras, reisados, enfim, seja qual for o evento que a mesma estiver animando. E quando, e por onde a banda passa, vai chamando atenção. Todos param, olham, escutam, pois a música da bandinha tem um quê, de magia e sedução, que a todos comove.

Tenho na memória, saudade especial da banda que durante uma época, até mesmo por ser a única, animava os festejos da terrinha, principalmente a festa do Padroeiro – Bom Jesus dos Navegantes – quando ainda datava do dia seis de janeiro. A minha bandinha, (permitam-me a possessividade, é de cunho apológico!), que denominei, “Banda dos Sapateiros”, visto que, todos, ou pelos menos noventa por cento dos participantes, eram sapateiros de profissão, ou já haviam militado nesta arte. 

Assim era, a formação da bandinha dos sapateiros: no piston – Truaca, no trombone de pista – Raimundo Aristides, no trombone de vara – Benone, na tuba ou contra baixo – Sr. Tasso, na trompa – Zé Ribeiro, no sax – Antônio Basílio, no clarinete – João Brito, instrumentos de percussão – bumbo acoplado com pratos – Cabeça, e no tarol – Botafogo.

Salvo engano, ou ocasional lapso de memória deste escriba, visto que, o decorrer dos anos a isto acarreta, era esta a formação da banda dos sapateiros. Requisitada esporadicamente, sempre que havia necessidade, estes artistas reuniam-se, e estavam prontos para o que desse e viesse; não havia tempo para ensaios, pois, como já foi citado anteriormente, todos tinham sua profissão (na grande maioria sapateiros). 

Mais que pela necessidade, tocavam por amor a música, e que música divina, tiravam de seus instrumentos (surrados, e de propriedade de cada um). Nas procissões e novenas do Padroeiro, ali no coreto da praça, ou no adro da Igreja Matriz, lá estava a bandinha, entoando seus dobrados, marchas, polcas, atraindo os presentes, com seus acordes maravilhosos.

Reflito hoje, ainda incrédulo, como aquelas mãos rudes e calejadas conseguiam manusear tão magistralmente aqueles velhos instrumentos, e deles, tirar tão belos acordes que a todos encantavam. De lá para cá, muito tempo se passou. 

Tive oportunidades de ver e ouvir muitas outras bandas que vivem ensaiando com seus maestros. É claro que ainda hoje me emociono quando vejo a banda passar, mas aquele som mágico e único da bandinha dos sapateiros, eu tenho certeza que partirei sem mais ouvir, até mesmo porque, Deus já chamou todos para compor sua lira celestial.

Outro pormenor interessante é que, na bandinha não existia a figura do maestro, todos eram (perdoem-me o termo) autodidatas da música. Bastava reunirem-se, trocarem algumas informações e pronto, estavam afinados. 

Ainda hoje, como disse Chico Buarque, “ainda corro, pra ver a banda passar, cantando coisas de amor” mas, quando às vezes, estou à toa na vida, ainda também, escuto os acordes da minha velha bandinha, através do rádio do coração, em sintonia com a saudade imorredoura, que para sempre terei, da eterna, e inigualável “BANDA DOS SAPATEIROS”.

*Radialista, Compositor, Escritor e Presidente da Academia de Ciências, Artes e Letras de Camocim