segunda-feira, 4 de março de 2024

SHARENTING: A PRÁTICA DE EXPOR FILHOS NA INTERNET QUE OS COLOCA EM RISCO

Se por um lado, cada vez mais crianças consomem conteúdos em redes sociais, por outro, elas também estão cada vez mais presentes do outro lado da tela. 
Ou seja, são o conteúdo. 

Impulsionada pela prática do sharenting - compartilhamento de fotos dos filhos pelos pais - a presença infantil em redes sociais exposta para milhões de pessoas dispara alertas para a segurança das crianças. 

A difusão das redes sociais fez com que a exposição virasse regra. E a facilidade em compartilhar imagens e vídeos na internet está entre as principais explicações para isso. 

Quando esse cenário chega nos núcleos familiares e, mais especificamente, na infância, a prática ganha o termo inglês "sharenting": junção de "share", do verbo compartilhar + "parenting", de paternidade. 

Na prática, é quando pais expõem, de alguma forma, a imagem de seus filhos no mundo digital e na era dos influenciadores digitais, ela ganhou alcances altíssimos. 

O sharenting nem sempre acontece nos holofotes: pode ser a exposição de crianças sem ser com milhões de visualizações. Essa diferenciação fez surgir também o termo "oversharenting", que se refere a uma superexposição, fora do normal, dos pais pelos filhos.

A professora Luciana Carla dos Santos, do departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, enxerga pontos positivos e negativos na prática. 

"Famílias que precisam de ajuda para algum tipo de tratamento para os filhos divulgam fotos fazendo o pedido e o atingem, seja pela colaboração da sociedade civil economicamente ou junto aos serviços públicos", exemplifica. Especialistas também apontam que o sharenting pode facilitar que parentes ou amigos distantes acompanhem o desenvolvimento da criança por meio da internet. 

"Para muitas famílias é importante registrar como a criança está se desenvolvendo. As mães também podem dividir com seus seguidores experiências de maternidade, que pode ser solitária para muitas mulheres", aponta Gabriela de Almeida, diretora do Redes Cordiais. 

Existem, portanto, referências positivas para se olhar. Por outro lado, apesar das boas experiências, a exposição de crianças nas redes sociais traz riscos à segurança. "Temos que pensar nas questões de vulnerabilidade que as redes nos colocam frente a criminosos, que podem usar essas informações de diferentes formas", explica Luciana. 

Ela cita casos de crimes cometidos contra crianças praticados a partir de informações vindas de redes sociais ou até mesmo de crimes situados no próprio ambiente digital. Gabriela de Almeida também lembra que, na internet, a simples presença de um usuário se traduz em dados valiosos para plataformas digitais. "Imagina uma criança com dados inseridos nesse tipo de mercado desde muito nova", ela reflete.

Há alertas sobre os impactos da exposição no desenvolvimento psicossocial das crianças. Essa ponderação é importante considerando que as experiências da infância impactam diretamente no resto da vida, com desfechos positivos ou negativos. Quando há uma exposição contra a vontade das crianças, elas podem se sentir desrespeitadas. "Os pais são cuidadores e deveriam ser protetores dos filhos, lembrando que a vida é do filho", diz Luciana. 

A vulnerabilidade em relação a discursos de ódio também joga contra a exposição de crianças na internet. Isso porque, expostas nas redes sociais, crianças podem estar sujeitas a crimes como cyberbullying. "Temos que ter cuidado, porque a criança não tem poder de escolha e não tem muita noção para falar o que está sentindo", ela aponta. Mas por que expomos os filhos na internet? 

Para a educomunicadora Januária Alves, a prática do "sharenting" vem da suposta necessidade de expor e compartilhar intimidades do cotidiano nas redes sociais. "Mostrar seu filho é muitas vezes mostrar o sucesso como pai e está ligado à necessidade de aceitação. Acho que os pais devem avaliar essa exposição com muito cuidado". É como se não houvesse mais uma separação entre vida online e offline, o que naturaliza a exposição dos filhos pelos pais nas redes.

Por Tadeu Nogueira (Com Estadão)