Escrito por Marcos Moreira (Diário do Nordeste)
Baú da Política (ALECE 190 Anos)
Em 1º março de 1985, a eleição pela presidência da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) foi marcada por uma disputa acirrada por voto, divisão interna na base governista, tumulto generalizado e agressões físicas e verbais.
Foi nesse cenário que a vitória de Castelo de Castro ficou em segundo plano diante da morte do outro postulante: o deputado Murilo Aguiar, que enfartou logo após ter o próprio voto anulado e a derrota sacramentada.
Visando o biênio 1985/1986, o pleito pelo cargo mais alto da Mesa Diretora da Alece colocou em lados opostos os deputados Castelo de Castro (PMDB) e Murilo Aguiar (PFL).
O primeiro tinha como principais aliados o então presidente da Casa, Aquiles Peres Mota, e o senador Virgílio Távora. Já o segundo era representante direto da base do Governo, tendo como apoiadores o governador Gonzaga Mota e o vice Adauto Bezerra.
Até fevereiro de 1985, a vitória do grupo chamado “gonzaguista” era dada como encaminhada. Contudo, a divisão interna entre as alas governistas deixou a disputa aberta e aqueceu as articulações para definir quem conseguiria somar a maioria absoluta de 24 votos entre os 46 possíveis na votação secreta.
Como noticiou o Diário do Nordeste no mês anterior à eleição pela presidência, o desfecho era incerto e caminhava para um empate.
Foi nesse cenário de acirramento que o governador resolveu substituir o então candidato Antônio Câmara por Murilo, um dia antes da eleição.
O motivo da troca: a idade. Em caso de empate de votos, o Regimento Interno da Alece previa que o mais velho seria eleito, o que daria vantagem a Aguiar, de 71 anos, contra Castelo Castro, 62.
Segundo fontes revelaram ao Diário do Nordeste à época, o próprio Murilo Aguiar manifestou resistência à indicação de Gonzaga Mota.
"Governador, eu não tenho mais idade para isso. Veja onde o senhor está me colocando. Eu não tenho mais idade para o cargo. Isso vai ser um sacrifício para mim, porque eu sei que vou pegar um abacaxi”, teria dito o parlamentar, às vésperas da disputa que ficaria marcada pelo falecimento dele.
A eleição para a presidência da Assembleia Legislativa iniciou ainda na tarde de 28 de fevereiro de 1985, mas o tumulto generalizado e a consequente suspensão da sessão, em diversas ocasiões, fizeram com que os trabalhos entrassem pela madrugada, já em 1º de março.
O cenário acirrado na disputa por votos fez com que a maioria absoluta não fosse alcançada no primeiro escrutínio, exigindo novas rodadas. Após a contabilização da terceira votação, Aquiles Peres Mota anunciou o resultado: 23 votos para Castelo de Castro, contra 22 para Murilo Aguiar.
A partir de então, a sessão ficou ainda mais tumultuada, com os membros do PFL protestando contra a Mesa Diretora e exigindo recontagem dos votos. Houve empurrões e agressões físicas e verbais, o que envolveu até o presidente Aquiles Peres Mota.
Os deputados da Frente Liberal alegavam que o então presidente da Casa teria anulado o voto de Aguiar, por conta de uma rasura na cédula, evitando o empate que determinaria a derrota de Castelo de Castro por idade.
Em meio à confusão, o filho do candidato derrotado, Murilo Aguiar Filho, teria arrancado os votos das mãos de Aquiles, “rasgando alguns e jogando os outros para o alto”, relatou o Diário do Nordeste.
A pressão não fez com que Aquiles Peres Mota voltasse atrás. "O novo presidente da Assembleia é o deputado Castelo de Castro. Proclamo-o agora eleito presidente da Assembleia. E quem quiser que recorra", manifestou em meio à confusão. Em seguida, ele suspendeu a sessão e precisou ser escoltado para conseguir sair do Plenário 13 de Maio.
Até então, havia apenas a definição de Castelo de Castro como presidente e Fonseca Coelho como primeiro vice-presidente. Então, ficou decidido que a sessão precisaria ser reaberta para a eleição dos outros oito cargos da Mesa Diretora — cinco titulares e três suplentes —, o que só foi ocorrer cerca de duas semanas após a morte de Murilo Aguiar.
Murilo Aguiar não resistiu ao infarto e, após ser socorrido, já teria chegado sem vida ao hospital. O óbito interrompeu os trabalhos legislativos e inseriu o Parlamento em um crise política e institucional. As sessões só retornaram, de fato, em 13 de março — quando foram eleitos os outros membros da Mesa Diretora.
Único mesário do pleito que era aliado de Murilo Aguiar, o ex-deputado estadual Osmar Diógenes narra que o infarto ocorreu em meio ao tumulto na apuração da votação. Em entrevista ao PontoPoder, em junho de 2024, o parlamentar relembrou o episódio e evidenciou o descontentamento com a condução da apuração.
Terminava ali a trajetória de Murilo Aguiar. O sepultamento ocorreu no final da tarde do dia 1º de março, com a presença de apoiadores, familiares, políticos e representantes de diversos poderes, como o então vice-presidente da República, Aureliano Chaves.
Castelo de Castro tomou posse no mesmo dia, em solenidade simples e sem a transferência do cargo, apenas na presença de aliados do PMDB e do PDS. Coube ao novo presidente, inclusive, decretar os três de dias de luto oficial pela morte de Murilo Aguiar.
Os dias após o caso foram de intensas negociações, ameaças de judicialização da eleição e dificuldades para encontrar um acordo entre os campos. No entanto, Castelo de Castro conseguiu concluir o biênio à frente da Alece, após a costura de um acordo que envolveu a escolha de uma chapa de consenso entre os grupos de Gonzaga Mota, Adauto Bezerra e o PMDB.
O óbito também alterou a composição da Alece, como mostrou o Diário do Nordeste à época. “A morte de Murilo Aguiar efetiva o suplente de deputado estadual Ciro Ferreira Gomes e ensejará a convocação do suplente Mota Brito que foi desconvocado, recentemente, em razão da exoneração do deputado Ubiratan Aguiar como secretário de Educação do Estado”.
LEGADO REPRESENTADO
Murilo Rocha Aguiar iniciou a carreira política em 1947, quando foi eleito para o primeiro mandato de deputado estadual, cargo que ocupou sucessivamente por cinco mandatos.
O parlamentar foi, ainda, um dos deputados perseguidos pelo AI-5, na Ditadura Militar, voltando a ocupar um assento na Assembleia em 1982, após a anistia. Ele também foi prefeito de Camocim, sua cidade natal, entre 1955 e 1959.
O episódio do falecimento virou um marco na história da Alece, onde a memória de Murilo Aguiar foi homenageada dando nome ao maior auditório da Casa. Além disso, o parlamentar deixou um legado político. Atualmente, o neto dele, Sérgio Aguiar (PSB), está no exercício do quinto mandato de deputado estadual.
Em contato com o PontoPoder, Sérgio Aguiar comentou que o avô foi comerciante e ficou conhecido em Camocim como “pai da pobreza”, por conta das iniciativas voltadas para a população mais vulnerável, como a criação do Hospital Maternidade do município. Além disso, ressaltou o papel de Murilo como “fonte inspiradora” para a trajetória política da família.
Acerca do episódio da morte na Assembleia, Sérgio salienta que a compreensão da família é de que Murilo foi “garfado realmente” por meio de cédulas eleitorais viciadas. Para ele, o avô foi tomado pela raiva e “decepção tão grande” não pela derrota em si, mas pelos procedimentos adotados na apuração.
Ainda hoje, reforça Sérgio, o momento é tido como um trauma para os parentes de Aguiar. “Foi muito difícil para nossa família perdemos a nossa grande liderança política, principalmente numa situação como essa, em que ele tinha tudo para se tornar o presidente do Poder Legislativo e encontramos ele dentro de um caixão. Então, foi muito traumático para toda a família”, enfatizou.
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Por Tadeu Nogueira (com DN)